BARBÁRIE Perspectiva 2022/Meio Ambiente

Como bem disse em alto e bom som o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles, a pandemia de Covid-19 era a distração ideal para “ir passando a boiada”. Em 2020, isso aconteceu e seguiu ocorrendo quando o ministro Joaquim Leite assumiu a pasta, em junho de 2021. Uma única frase de seu monstruoso e enganoso discurso na COP 26, na Escócia, em novembro, resume o que pensa o atual governo em relação à maior riqueza natural do Brasil: a floresta Amazônica. “Temos que reconhecer que, onde há muita floresta, há muita pobreza”, afirmou. Sua ideia, apesar de diluída em um discurso falacioso de comprometimento com o clima, demonstra o que Bolsonaro e seus ministro vêem na maior floresta tropical do mundo. Um lugar a ser derrubado, garimpado e revertido em lucro, custe o que custar. Não há pensamento de longo prazo para eles, contrários à ciência, e o aquecimento global é “coisa de comunista”. O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, mesmo fora do governo, ainda dá entrevistas dizendo que não há provas de que o fenômeno seja causado pela presença humana.

DISPARATE Para o ministro do Meio Ambiente, floresta é sinônimo de pobreza (Crédito:Alberto Pezzali)

“Além do desmantelamento de órgãos de fiscalização, como o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), há a falta de gestão. As pessoas que estão em cargos cruciais do governo não estão preparadas para o trabalho que fazem”, explica o porta-voz do Greenpeace Brasil, responsável pela gestão na Amazônia, André Freitas. A organização não governamental foi, aliás, quem capturou as imagens das centenas de balsas usadas para a extração ilegal de ouro no Rio Madeira. As imagens correram o mundo, isso apenas um mês após a reunião climática em que o Brasil se comprometeu com metas audaciosas, como encerrar totalmente o desmatamento ilegal até 2028. Se todas as imagens de destruição dos últimos três anos não são suficientes para convencer que 2022 será mais um ano perdido, os dados não dão margem para dúvidas: o governo Bolsonaro bate recorde atrás de recorde quando o assunto é destruição ambiental.

A Amazônia Legal perdeu 10.222 km² de floresta entre janeiro e novembro de 2021, o equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Esse é o maior dano acumulado dos últimos 10 anos para o período, segundo informações do Sistema de Alerta de Desmatamento, do Imazon, publicado em dezembro. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgados, propositalmente com atraso pelo governo em novembro, também são alarmantes. O relatório com os números do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) mostra uma devastação de 13.235 km2 entre agosto de 2020 e julho de 2021, índice mais elevado desde 2006. A impunidade por esses crimes também chama a atenção: os valores arrecadados em multas ambientais nunca foi tão baixo. Já nos dois primeiros anos da gestão Bolsonaro, a arrecadação caiu 93%, principalmente por causa das “novas etapas” e “burocracias” estabelecidas por um Ibama desmantelado – por que deixar de lucrar ilegalmente, se não perdem nada com isso?

“Enquanto Bolsonaro estiver no poder é impossível ter uma perspectiva positiva. Acredito que levará anos para a regulamentação voltar ao que era antes” André Freitas, porta-voz do Greenpeace

“Enquanto Bolsonaro estiver no poder é impossível ter uma perspectiva positiva. Acredito que levará anos para a regulamentação voltar a ser, pelo menos, o que era antes”, diz Freitas. Para ele, é possível alcançar desenvolvimento sustentável na região sem destruir a floresta e os povos indígenas. “Enquanto a Amazônia for vista como algo distante não haverá mobilização”, explica. E, se a mobilização não vier de dentro, virá de fora, como já vem acontecendo. Os crimes ambientais destróem a reputação do Brasil e prejudicam a economia brasileira. “Com desmatamento não há chuvas e, sem água, a indústria para”, diz. Isso sem falar do movimento que acontece na Europa: França e Alemanha estão de olho no Brasil e companhias privadas começam a se mobilizar.

Em dezembro, seis redes europeias de supermercados, de quatro países, anunciaram que não negociariam mais parte ou todos os derivados de carne bovina vindos do Brasil por causa do desmatamento na Amazônia. A rede holandesa de supermercados Lidl Netherlands avisou que, a partir de 2022, vai parar de vender carne bovina vinda da América do Sul. O agro está deixando de ser pop: até a China passou um período sem comprar carnes brasileiras. Com a destruição acelerada das florestas, esse tipo de boicote comercial deve se tornar rotineiro. A política ambiental canhestra do governo Bolsonaro, além da destruição imediata da natureza, tende a acentuar problemas econômicos e transformar o Brasil, definitivamente, em um pária internacional.