SABOR E AFETO O empresário João Zangrandi: pratos requintados como hobby que descansa (Crédito:GABRIEL REIS)

A receita é simples. Para se vencer o eventual tédio na quarentena: cozinha. Já para se fazer saborosos, nutritivos e sofisticados pratos dignos de um chef, a receita é mais complicada e exige maior esmero. Nesse quesito, o empresário João Zangrandi, de 60 anos, é perito. Ele se apaixonou por essa arte quando morava na Itália e trabalhava como garçom. Após abrir um restaurante em Veneza, fez cursos para se aperfeiçoar e criar pratos sofisticados, tanto na apresentação quanto na escolha dos ingredientes. Hoje CEO da Duraface Group, empresa que produz maquinário para o setor sucroalcooleiro, João cozinha como hobby, com direito a espaço exclusivo em sua casa no interior de São Paulo e todos os equipamentos necessários para se divertir. Em isolamento social com a família, o tempo virou um dos principais ingredientes para a preparação das receitas. “Antes ficava pouco em casa porque estou sempre viajando a trabalho e comendo em restaurantes. Agora na quarentena passo a maior parte do dia na cozinha. É uma higiene mental, um lugar de felicidade que agrega e proporciona convívio social”, diz Zangrandi. O Spaghetti a Carbonara, uma das receitas mais tradicionais da cozinha italiana, é uma das suas preparações favoritas. “Tem um significado forte porque foi o primeiro prato que tive contato na Itália, no restaurante em que eu trabalhava.

Costumava prepará-lo para minha família, quando minha esposa estava grávida e meu filho tinha um ano”, diz ele. Nesse momento de pandemia, não é à toa que a culinária tem ganhado cada vez mais adeptos. “Cozinhar envolve todos os sentidos, a visão porque é um estímulo muito colorido, a audição, o tato, o olfato e o paladar. Quando não é feita por obrigação, a atividade pode ter um efeito terapêutico e até suscitar memórias afetivas dependendo da experiência de cada um”, diz a psicóloga Carolina Scaff. Como muitas pessoas estão trabalhando em Home Office, o preparo de alimentos acabou se tornando uma forma de tomar fôlego mental. “As atividades que podem ser restaurativas, como cozinhar, costurar ou ler, são positivas para quem passa muito tempo em atividades produtivas que exigem foco, como o trabalho”, diz Carolina. Quando Zangrandi está em seu espaço gourmet, por exemplo, ele tem inspirações para trabalhar melhor: “Como preciso padronizar as minhas porções e manter método de trabalho, acabo tendo subsídios para aplicar novas regras e padrões de produção na minha empresa”.

AVENTURA A publicitária Isabella Morgana resolveu se alimentar melhor durante a pandemia: gosto pela cozinha (Crédito:Isabella Morgana)

Para a publicitária Isabella Morgana, de 26 anos, ficar em casa trouxe a oportunidade de fazer algo inédito: antes da crise, ela não tomava café da manhã e nem jantava, apenas comia “besteiras” fora de casa. Agora a sua geladeira está cheia de ingredientes. “Gosto de soltar a imaginação e sentir que estou me desafiando. É como se fosse uma vitória quando me aventuro em algo diferente e dá certo”, diz ela. O novo hábito nasceu principalmente por causa da preocupação com a saúde. “Estou no grupo de risco desse vírus, então passei a comer melhor. Como não tenho pessoas ao meu lado consumindo refrigerante, por exemplo, consigo me controlar. Em casa só estou tomando sucos naturais”.

Se por um lado muitas pessoas estão desbravando a cozinha por prazer, por outro a crise do novo coronavírus fez com que alguns passassem a comprar em novos estabelecimentos. Muita gente está preferindo consumir itens preparados por pequenos produtores, por levarem ingredientes mais elaborados e estarem mais próximos de suas casas. A fotógrafa Vivi Mädchen, de 33 anos, substituiu o pão de padaria pelo pão artesanal. Moradora do icônico edifício paulistano Copan, ela descobriu uma produção caseira a poucos apartamentos de distância do seu, o “Copão – Pão artesanal no Copan”. Os pães são exóticos, como o de cará com tomilho, mas não é o ineditismo dos ingredientes o principal motivo da troca de fornecedor. “Quero apoiar os pequenos produtores e principalmente a comunidade do meu bairro”, diz ela.

Para quem pensa que consumir alimentos caseiros custa mais caro que os industriais, se engana. Nesse ponto, Vivian se surpreendeu: “Eu acabo levando dois, três dias para comer um pão caseiro e antes tinha de comprar muito mais”. Isabella, que acabou de conhecer os encantos da cozinha, também se espantou: “Com R$ 50 tenho poucas opções de prato em um delivery de restaurante, mas no supermercado possuo uma liberdade maior”. Já que é imprescindível a quarentena para que o vírus se dissemine menos, fazer-se chef em sua própria casa é uma boa forma de se vingar da pandemia.