Parece um filme repetido com poucos retoques. Em determinado momento, um militar de segunda linha assume o poder no País. Aparelha o Estado com botinas daqueles de estrita confiança. Persegue opositores. Coopta o Congresso. Troca ministros do Supremo por fiéis simpatizantes. Instaura uma doutrina autoritária e sai em busca de um regime ditatorial que lhe garanta o poder até onde possível, sem data para acabar. Multinacionais e técnicos de primeira linha batem em retirada. Fuga de capitais é verificada. Desembarque em escala. O caudilho, na base do populismo barato, trata de buscar respaldo na massa dos humildes, acenando com programas assistencialistas. A elite predominante faz pouco caso, apoia, não dá importância, gosta das vantagens que vislumbra e demora a perceber o ardil. Vai na conversa do líder sabotador e financia suas estultices. Depois percebe que foi engabelada por um projeto de perpetuação no poder. O mandatário seria capaz de tudo para garantir o controle do País em suas mãos. Ate de se virar contra os interesses e negócios dos antigos colaboradores resignados. É o roteiro da Venezuela e de seu coronel Hugo Chávez, tempos atrás. Mas calça feito luva e pode ser automaticamente convertido no script da saga do Brasil e de seu capitão “mito” Messias Bolsonaro, em suas articulações atuais. Os ingredientes estão postos. Movimentos siameses. Personagens talvez distintos na ideologia, mas idênticos no propósito, embalados pelo mesmo anseio de cambalacho bananeiro. Bolsonaro arma o golpe. Disso não pairam mais dúvidas. Move mundos e fundos nesse sentido. Até para trazer de volta as obsoletas cédulas impressas, que lhe dariam chances de alegar fraude na eleição. Toureia as investigações do Ministério Público contra ele e manipula como quer a Polícia Federal. Coloca mordaça e corta orçamentos de instituições de pesquisa para travar estatísticas ruins e, ainda, fundamentalmente, impele as Forças Armadas a ficarem de joelhos aos seus pés, humilhando a disciplina, exigindo obediência cega apesar dos desmandos e induzindo a politização ilegal do Alto Comando. Bolsonaro está realizando tudo isso sim — o Brasil presencia — e segue avante, enaltecendo velhos arrivistas dos sombrios porões da tortura, como o coronel Carlos Brilhante Ustra. Constrói sua narrativa de mundo ideal, cinicamente. Na maior desfaçatez, movido a fake news que não cessam. Ele idolatra práticas do regime de exceção, tenta reavivá-las e parece acalentar um prazer indescritível pelo morticínio. Conspirou contra a chegada de vacinas para os brasileiros. Sabotou esforços de controle da pandemia. Virou fiel adepto e promotor da necropolítica. No momento está nas ruas, promovendo a anarquia, o caos e as aglomerações (na base das motociatas), apostando na desordem e na conflagração para reinar. Seus aspones já começam a falar em desobediência às leis e destroem pilares fundamentais de civilidade. O mandatário, em pessoa, é capaz de colocar sob suspeição as estatísticas de mortalidade por Covid-19 e, deliberadamente, vai minando e destruindo o sistema de educação pública. Faz sentido, claro. É preciso manter a legião de seguidores na ignorância. Parte essencial do projeto de subjugação. Mussolini, Hitler, Idi Amin Dada (de Uganda) e o venezuelano Hugo Chávez repetiram o mesmo. Bolsonaro segue os passos, um após o outro. Dias atrás, a Polícia Federal descobriu que auxiliares diretos e aliados do mandatário financiaram os protestos pedindo fechamento do Congresso e atacando o STF. Uma espécie de armada do capitão estaria instrumentalizando milicianos e apoiadores no intuito de confrontarem às forças moderadoras. Alguns documentos que aterrissaram na mesa da Comissão de Inquérito também mostraram funcionários diretos do governo bancando aluguel de carros de som para os protestos que se deram, emblematicamente, em frente ao quartel-general do Exército. Uma operação articulada nas redes sociais alimentou e segue municiando o caldo de insurgência e insubordinação que cresceu sobranceiramente à revelia da lei. PMs no Recife, por exemplo, acharam por bem coibir de maneira violenta, à bala, manifestantes que há poucas semanas reclamaram da gestão do Messias. Uma investigação que corre nos bastidores de Brasília tem revelado como funciona o grupo de sustentação às sabotagens presidenciais. São gabinetes paralelos na área da Saúde, da gestão administrativa e principalmente para a disseminação de ódio e mentiras via esgotosfera da internet. Figuras que agem plantadas diretamente dentro da Secom, a central de comunicações oficiais do Estado. É uma aparelhagem assustadora, tenebrosa e que conspira contra a democracia e a favor dos impulsos autoritários do “mito”. Algo que foi verificado no passado apenas nos piores momentos da ditadura militar. O Brasil não merece passar por isso de novo.