“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Essa frase, cunhada por Joseph Goebbels, chefe do departamento de propaganda do regime nazista no final da década de 1930, alavancou o Terceiro Reich do ditador Adolf Hitler. No delírio de dominarem o mundo, a dupla da suástica considerava imprescindível controlar os grandes grupos de mídia, justamente para transformar mentiras em verdades. O governo Bolsonaro vem seguindo essa tática por intermédio do chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Fábio Wajngarten, que acena com gordas verbas publicitárias para os veículos dóceis ao poder e tesoura contratos das empresas que democraticamente exercem a função precípua do bom jornalismo: a de manter uma visão independente e crítica.

Além da asfixia comercial manipulada com dinheiro público (ele tem sob sua guarda R$ 450 milhões de recursos federais), Wajngarten ameaça “quebrar” jornais, revistas e emissoras de tevê e rádio. Mais: estimula blogs e redes sociais que operam no submundo da Internet, incentiva anunciantes a deixarem de investir na mídia discordante e está por trás da articulação do presidente de tentar cassar a concessão de canais de televisão – nada diferente do que fez o populista e demagogo Hugo Chávez, na Venezuela. À ISTOÉ, que também é boicotada pelo governo, asseclas de Wajngarten informam que só terão verbas publicitárias públicas os veículos “convertidos”, ou seja, “os que apresentarem completa adesão, sem ressalvas ou críticas, por menores que sejam, ao governo.”

Durante uma semana, ISTOÉ ouviu pessoas ligadas a Wajngarten, parlamentares que com ele conviveram dentro e fora do governo e ex-ministros que não apoiavam tal projeto bolsonarista e foram afastados do governo. Ouviu-se também gente que atuou com Wajngarten na fase da campanha, quando se valeu de uma rede de robôs paga por empresários ligados à comunidade judaica, da qual ele faz parte. Wajngarten, de 44 anos, é formado em Direito, embora nunca tenha exercido a profissão. Publicitário medíocre, trabalhou na área de programação e resultados de audiência do SBT, de onde lhe veio a ideia de criar a empresa “Controle da Concorrência” para enfrentar a tecnologia do Ibope, que comanda os métodos de medição de audiência de cada emissora de televisão. É com base nesses dados do Ibope que elas obtêm mais ou menos contratos de publicidade, tanto na iniciativa privada quanto na programação de mídia das estatais e órgãos de economia mista do governo. A TV Globo, por liderar o mercado, sempre teve um maior volume de anúncios oficiais, inclusive durante as gestões do PT – governos também avessos a determinados veículos de comunicação, mas que sempre respeitaram os critérios legais. Já a gestão bolsonarista na Secom desconsidera todos esses indicadores e destina verbas apenas para quem se submete a divulgar suas mentiras – que, repetidas mil vezes, pretendem se transformar em verdades.

O lobista

A criação da agência “Controle da Concorrência”, ainda em 2016, foi um fracasso. Com base na importação de tecnologia da empresa alemã GFK, especializada em aferição de audiência de emissoras de televisão, Wajngarten ofereceu o serviço para a Rede Record, SBT e Rede TV!, como forma de elas enfrentarem a Globo. Mas o sistema do Ibope prevaleceu e a GFK deixou o Brasil dois anos depois. Com base na experiência que obteve com essa iniciativa frustrada, durante a campanha presidencial de 2018 o publicitário procurou as emissoras para as quais fez lobby e prometeu-lhes mais recursos caso Bolsonaro fosse eleito. “Ele dizia para a Record, SBT e Rede TV! que elas deveriam dar espaço e apoiar Bolsonaro, porque ele seria o ministro das Comunicações no novo governo”, disse à ISTOÉ um dos coordenadores da campanha, que pede para não ser identificado. Segundo essa mesma fonte, Wajngarten afirmava que as emissoras ligadas a ele ganhariam muito dinheiro quando fosse ministro e que quebraria a Globo. Já para Bolsonaro, dizia que mandava nas TVs e que o candidato teria delas uma cobertura favorável. Fazia um jogo duplo, “mas era evidente que planejava arrancar dinheiro dessas emissoras”.

A seleção das verbas

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O publicitário, ainda de acordo com essa fonte, “fazia a cabeça” de Bolsonaro contra a Globo, à qual não tinha acesso, e concentrava as aparições do presidenciável somente nas emissoras para as quais fazia lobby. A mesma estratégia está sendo posta em prática agora. Nos primeiros meses do ano, a Record recebeu R$ 10,3 milhões de verbas do governo (um aumento de 659% em relação ao ano passado) e o SBT faturou R$ 7,3 milhões (uma alta de 511%), enquanto a Globo, líder inconteste do mercado, recebeu apenas R$ 7,7 milhões (aumento de 19%). E, pior, o governo identifica a Globo como uma das “hienas” que atacam o presidente travestido de leão. Na semana em que a Globo noticiou que partira da casa da família Bolsonaro, no condomínio Vivendas da Barra, no Rio, a autorização para que um dos suspeitos da execução de Marielle Franco entrasse no conjunto residencial, Bolsonaro gravou um vídeo chamando a emissora de “Globolixo”, acusando-a de “canalhices” e “patifarias”. Nesse vídeo, ameaçou não lhe renovar a concessão, que vence em 2022. “Vocês têm que estar arrumadinhos para 2022, hein! Eu estou dando o aviso antes”, disse Bolsonaro, escudado na política de intimidação desenvolvida pelo chefe da Secom.

Dentro de sua guerra particular contra a Globo, na semana passada o próprio Wajngarten divulgou uma nota oficial detonando a direção de jornalismo da emissora, por ela ter distribuído um comunicado interno, assinado pelo diretor Ali Kamel, elogiando o trabalho de seus jornalistas no caso Marielle. Ele deu os “parabéns efusivos” aos repórteres. Em nota na terça-feira 5, o chefão da Secom afirmou que o comunicado de Kamel foi “lamentável” e que se a emissora fizesse “de fato bom jornalismo, como defende, investigaria e publicaria sua própria participação em supostos pagamentos de propina a dirigentes da FIFA para a compra de direitos na transmissão da Copa do Mundo”. Provocação sórdida e barata. Nesse clima, Bolsonaro anunciou em uma de suas “lives” pela rede social que determinou aos órgãos públicos que cortassem as 14 mil assinaturas do jornal “Folha de S. Paulo”, por considerá-lo inimigo do governo.

Blogs e robôs

Vale lembrar que o governo já teve a ousadia autoritária de encaminhar Medida Provisória ao Congresso determinando que as empresas não sejam mais obrigadas a publicar balanços nos jornais. O objetivo era o de minar uma das fontes de recursos do jornal “Valor Econômico”, veículo onde historicamente as empresas divulgam seus resultados financeiros. O “Valor” pertence ao Grupo Globo. As empresas de comunicação podem perder com isso, anualmente, por volta de R$ 900 milhões. E Bolsonaro ainda se vangloriou de que iria “quebrar” o jornal. “Espero que o Valor sobreviva”, comentara ele, numa perversa e mesquinha ironia.

Mesquinharia igual, aliás, a manifestada por Wajngarten em mensagem no Twitter no último dia 23. “Depois veículos e grupos de comunicação quebram, não pagam salários, não honram compromissos e não sabem o motivo. Milhares de famílias prejudicadas”, escreveu ele. E insistiu em conclamar os empresários a não investirem em propaganda nas empresas tradicionais de mídia.

A coisa beira o fascismo: “Atenção redobrada anunciantes: não invistam em veículos não profissionais, que vivem de manchetes fantasiosas e absurdas. Lixooo”. Na quinta 7, a Havan, do bolsonarista Luciano Hang, entrou na onda do censor do Planalto e anunciou o corte da propaganda que fazia na emissora.

Em contrapartida, Wajngarten apóia veículos ligados ao bolsonarismo nas redes sociais e blogs, que de alguma forma colaboraram na campanha do ano passado, por intermédio de contatos fornecidos pelo vereador Carlos Bolsonaro, o comandante da mídia do pai na Internet. Logo que chegou à Secom, em abril, Wajngarten passou a privilegiar blogs e sites protegidos por Carluxo. Na CPMI das Fakes News, soube-se que o site bolsonarista Terça Livre, do jornalista Allan Santos, está faturando R$ 100 mil por mês, coincidentemente depois que o novo chefe da Secom assumiu o posto.

O publicitário chegou a montar um esquema para destinar R$ 300 mil às mídias do sociólogo Olavo de Carvalho, mas o projeto foi abortado pelo general Santos Cruz, então ministro-chefe da Secretaria de Governo, e responsável pela Secom. “Depois dessa recusa, Olavo começou a atacar Santos Cruz. Três meses depois de Wajngarten assumir a Secom, o general caiu”, lembra uma das fontes de ISTOÉ.

A conexão judaica

De acordo com um deputado que acompanhou o trabalho de Wajngarten na campanha, ele envolveu a comunidade judaica no convencimento de aproximadamente 60 empresários judeus e milionários de São Paulo. Promoveu, assim, diversos jantares em apoio ao candidato do PSL na residência do empresário Meyer Negri, dono da Construtora Tecnisa, amigo de infância do chefão da Secom. Os olhos da Tecnisa miravam o mesmo horizonte que miram todas as empresas do ramo: negócios futuros (leia-se novo governo) na área da construção civil. Comenta-se que Meyer almejaria contratos para a reforma de escolas e prédios públicos federais, com a ajuda de Wajngarten, mas isso ainda não se concretizou. Alguns desses empresários financiaram o acionamento de mensagens em série pelo Whatsapp em favor de Bolsonaro e patrocinaram o esquema de robôs com mensagens do candidato nas mídias sociais. Empresas de tecnologia de Israel também teriam ajudado o publicitário a montar o esquema de robôs. Os israelitas são conhecidos por atuarem no submundo do setor de segurança e informação. Wajngarten teria se valido dos contatos com companhias israelenses, já que foi diretor da filial brasileira da Hadassah, rede judaica de assistência à saúde, que opera em 25 países.

Política suja


O amigo Negri sempre foi fiel parceiro. Quando o presidente sofreu o atentado em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018, Wajngarten descansava em sua casa de praia em Maresias, no litoral paulista. Ao saber do incidente, “ele retornou a São Paulo imediatamente e ligou para o Meyer para que fôssemos com urgência a Minas Gerais buscar Bolsonaro”, recordou-se o senador Major Olímpio (PSL-SP). Seu pai é médico do Hospital Albert Einstein (israelita) e ele queria que Bolsonaro fosse se tratar lá. “Eu fui junto no avião. O próprio Meyer foi pilotando e chegamos a Juiz de Fora por volta da meia-noite. O Fábio (Wajngarten) convenceu os familiares do presidente de que ele tinha de vir para o Einstein, dispensando a equipe do Sírio Libanês. Bolsonaro concordou em ir para o Einstein e Fábio ganhou pontos junto à família”, continuou Olímpio.

Apesar disso, Bolsonaro “esqueceu”, no primeiro momento, de levar Wajngarten para o governo. “Eu alertei o presidente de que ele queria fazer mais negócios no governo do que trabalhar pelo Brasil”, disse um ex-colaborador de Bolsonaro.
E complementa: “Tanto que quando saí do governo, a primeira coisa que Carlos fez foi levá-lo para a Secom e desenvolver toda essa política suja que está sendo feita agora contra os veículos de comunicação”. O fato preponderante para Bolsonaro encaixar o publicitário na Secom foi a sua colaboração no trabalho de estruturar a defesa do senador Flávio Bolsonaro no caso das denúncias de apropriação de recursos de funcionários de seu gabinete no período em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Em meio aos contatos com a comunidade judaica, Wajngarten conheceu o advogado Frederick Wassef e o convenceu a defender Flávio no caso das rachadinhas com a participação do ex-motorista Fabrício Queiroz. Tudo para aumentar seu cacife com o presidente. Fred, como é conhecido, foi casado com Cristina Boner, dona da TBA Informática, em Brasília, especialista em vender tecnologia e softwares da Microsoft para governos.

Ela, inclusive, esteve envolvida no mensalão do DEM, do ex-governador do DF José Roberto Arruda, e foi denunciada por corrupção e lavagem de dinheiro. Fred e Cristina contribuíram com suporte técnico para Wajngarten desenvolver seus trabalhos nos bastidores das redes de Internet. Mas o fato é que a dupla Fred-Wajngarten, em socorro ao 01 no escândalo envolvendo Queiroz, despertou de vez a disposição de Bolsonaro em levar o publicitário para a Secom. Afinal, uniu a fome com a vontade de comer. Colocou no governo um assessor engajado ideologicamente com o seu projeto de destruir os veículos tradicionais de comunicação e criar uma mídia sustentada pelas redes sociais – operadas por um exército de seguidores extremados que metamorfoseiam mentiras em verdades.


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