Milhares de recém-formados têm dificuldade em se inserir no mercado de trabalho, sobretudo em áreas em que ser autônomo ou empreender são os caminhos mais comuns. Qual o papel da universidade nisso?Uma grande amiga é psicóloga formada pela USP. Lembro-me de uma conversa que tivemos há alguns anos em que ela compartilhou a grande dificuldade que muitas colegas de turma estavam enfrentando para entrar no mercado de trabalho e divulgar os próprios serviços.

A razão é que hoje em dia é muito comum que profissionais da psicologia sejam autônomos, ou seja: que estejam completamente sozinhos, desde a divulgação dos próprios serviços até a gestão das próprias carreiras e horários.

E não somente os da psicologia. O mercado de trabalho mudou bastante, e muitas áreas, sobretudo na era das redes sociais, seguem a mesma estrutura.

É possível, sim, ganhar um bom dinheiro e ser bem-sucedido, tendo um grande número de clientes/pacientes e se especializando o bastante para cobrar um valor acima do mercado, mas isso requer habilidades que a graduação simplesmente não ensina, especialmente nas universidades públicas.

Assim, uma galera se vê formada na USP, UFRJ, UFRGS, UFBA, UNICAMP e em muitas das melhores do Brasil, mas completamente perdida sobre como vender os próprios serviços e trilhar uma trajetória de sucesso no mercado de trabalho.

É obrigação da universidade pública capacitar para o mercado de trabalho?

Falei sobre o caso depois com outro amigo e sugeri políticas que a universidade deveria adotar para instrumentalizar melhor os egressos para o mercado de trabalho atual. Na visão dele, esse não deveria necessariamente ser o papel da universidade pública.

A instituição é muito forte em pesquisa e nesse quesito é indiscutivelmente bem-sucedida, com pesquisadores de renome internacional, pesquisas de ponta e contribuições diretas para o desenvolvimento do país.

Sou egresso da USP e atualmente faço mestrado na UFRJ. Tenho muito orgulho da jornada que venho construindo, mas em alguns momentos, confesso, senti falta de uma maior proximidade com o mercado de trabalho de modo geral – digo, no caso, de um contato mais estreito com grandes empresas e até mesmo grandes instituições governamentais, no sentido da prática mesmo profissional.

Aí fica o questionamento, é obrigação da universidade pública estreitar esses laços e criar políticas focalizadas em preparar os discentes para a vida pós-universidade?

Obrigação é uma palavra meio forte. Não diria que é o caso e entendo quem defenda que os mundos não se misturem, mas acho sim que há margem para trabalhar essa lacuna.

Lacuna entre o mundo na universidade e o mercado de trabalho

Em algum momento da minha vida eu já acreditei que um diploma da USP ou de qualquer universidade pública era uma chave-mestra para qualquer oportunidade de emprego. A realidade se mostrou diferente e vejo colegas e amigos completamente perdidos nessa fase da transição para o mercado de trabalho, enviando 100 currículos e recebendo nenhum retorno ou uma oportunidade cuja remuneração é exatamente a mesma oferecida a alguém sem qualquer tipo de formação.

Não estou, em nenhuma medida, questionando a qualidade das formações ofertadas. Os professores são excelentes, os cursos são excelentes e recebemos formações sólidas e de muita qualidade.

Minha provocação é que de um lado temos uma formação sólida e um diploma que foi bravamente conquistado, e de outro há um universo prático de trabalho onde nos encontramos completamente perdidos e que, não exageradamente, estamos despreparados para desbravar. Tenho contato diário com universitários de letras de todo o país e vejo o quanto é incrivelmente desafiador entrar no mercado de trabalho e o quanto carecem das instruções mais básicas.

É fato que hoje em dia em boa parte das áreas, para não dizer todas, o mainstream é ser autônomo ou empreendedor, ou seja, como dito no início da coluna: focar tanto em divulgar o próprio serviço, quanto na administração e no trabalho em si. Refiro-me a áreas como: jornalismo, direito, psicologia, fisioterapia, etc.

Por outro lado, é muito mais difícil para um engenheiro de petróleo ou para um profissional da enfermagem, por exemplo, trilhar o caminho de forma autônoma. Nessas áreas, o mais seguro e tradicional ainda é entrar em alguma empresa ou instituição.

Em ambos os casos, sobretudo no primeiro, as universidades falham em auxiliar seus discentes, criando um mar de egressos com nada mais além de uma formação teórica e um diploma.

Quais políticas podem ser adotadas?

Em muitos cursos há iniciativas dos próprios alunos, como as empresas júnior, que focam em treinar para uma aplicação mais prática do aprendizado do curso. Há, inclusive, relatos dizendo que isso é um grande diferencial na entrevista de emprego. Alinhado a isso, há também coordenações de alguns cursos que criam laboratórios práticos e parcerias bem bacanas nesse sentido.

No entanto, de modo geral, há margem para um trabalho mais enfático e focalizado, a nível institucional.

Seria interessante que, em áreas onde o mais comum é trabalhar de forma autônoma ou ir para o caminho do empreendedorismo, fosse adicionada na grade curricular, pelo menos, uma disciplina de preparação. Nela, poderia ser trabalhadas questões básicas de marketing: como divulgar os próprios serviços, como abordar as pessoas, como administrar a agenda e a carreira em si, como escolher os próprios preços.

Essa disciplina teria esses conceitos básicos já aplicados por área. Por exemplo: a para estudantes de direito teria especificidades que a para a galera da psicologia não teria. Afinal, são carreiras diferentes e com suas idiossincrasias.

Enfim, questões aparentemente básicas, mas que seriam de extrema importância e que ajudariam muito os discentes. Até porque, essa inserção no mercado é muito mais desafiadora para quem vem de famílias de baixa renda, e o ingresso na universidade, para eles, é sim uma grande ação para que possam ascender socialmente. É preciso ajudar esses indivíduos para além de os capacitar teoricamente, justamente para que suas formações encontrem o potencial máximo.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.