Ninguém se espante se os bolsonaristas, que até ontem falavam cobras e lagartos contra o projeto de lei anti-fake news que agora tramita na Câmara, de repente mudarem de ideia.

Para começar, se a lei já estivesse em vigor, os titulares dos 73 perfis do Facebook e do Instagram que ontem foram tirados do ar não teriam sido pegos de surpresa. Teriam direito a um período de defesa prévia – e ganhar tempo sempre é valioso na política.

Alguns dos perfis talvez nem fossem derrubados. O Facebook, proprietário das duas redes sociais, diz ter seguido o mesmo princípio que inspira o projeto de lei: focar no comportamento de quem controla as contas, e não no conteúdo das publicações.

A punição levou em conta o fato de haver postagens coordenadas – uma rede de bullying digital. Foi direcionada a “perfis inautênticos”, ou seja, aqueles atribuídos a pessoas inexistentes ou que simulavam ser veículos de imprensa.

Com a lei aprovada, contudo, um perfil como o “Bolsoeneas” poderia escapar da sanção. Ele é sabidamente operado por Leonardo Rodrigues de Barros Neto, um bolsonarista mais conhecido pelo apelido de Leonardo Bolsoeneas. Usar um pseudônimo nas redes não é a mesma coisa que criar um perfil falso. Haveria espaço para comprar briga.

Não digo isso para defender milicianos digitais. Disso, estou fora. Quero apenas lembrar que o PL anti-fake news pode não ser tão mortífero contra a liberdade de expressão quanto se alega. Uma parte da gritaria vem de quem deseja continuar barbarizando sem incômodos na internet. É preciso avaliar mais devagar as consequências do PL.

Mas vamos em frente. Na ausência de lei, o Facebook agiu como lhe pareceu adequado. Contratou uma empresa de detetives digitais e, com o resultado da investigação nas mãos, feriu seriamente a presidência de Jair Bolsonaro.

Daqui em diante, negar a existência do gabinete do ódio entra na mesma categoria de dizer que a Terra é plana. É coisa para quem vive numa realidade paralela.

O Facebook demonstrou, para além de qualquer dúvida, que perfis atuavam de maneira concertada para atingir os adversários políticos de Jair Bolsonaro e as instituições que lhe impõem algum freio, como o Supremo Tribunal Federal.

Posts venenosos eram disparados de dentro do Palácio do Planalto, no horário do expediente. Saíam de contas operadas por Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial de Bolsonaro e discípulo de Carluxo, o filho 02.

Também foram flagrados na trama Paulo Chuchu, funcionário do gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro, e assessores de outros deputados governistas.

Como a proverbial pedrinha atirada no lago, as ondas dessa descoberta vão se refletir na CPI das fake news do Congresso, no inquérito das fake news do STF e nas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.

A oposição já pressiona para que os dados levantados pelo Facebook sejam incluídos entre as provas dos processos ou sirvam de ponto de partida para novos investigações. Como alguns dos perfis inautênticos já existiam em 2018, pode haver, sim, repercussão na Justiça eleitoral.

Tudo isso é muito ruim para Jair Bolsonaro. O presidente, que vinha se esforçando para ser mais meigo, vai ficar de novo com os nervos à flor da pele. Deveria parar de tomar cloroquina. Além de não curar da Covid-19, o remédio traz riscos para o coração.