ESQUERDA No centro, a ainda candidata Mathilde Panot com os quatro já eleitos pelo Nupes: (da esquerda para a direita) Daniele Obono, Alexis Corbière, Sarah Legrain e Sophia Chikirou (Crédito:Geoffroy Van der Hasselt / AFP)

Algumas novidades que puderam ser percebidas nas eleições presidenciais da França parecem consolidadas, pelo que se viu do primeiro turno das eleições legislativas, no domingo, 12. A primeira delas é a descrença na classe política, escancarada por mais da metade do eleitorado se abstendo de votar, com recorde de 52,49%. A segunda: a sombra do medo da extrema-direita populista, cada vez mais explícita e mais votada. A terceira: o fortalecimento das esquerdas, agora fechadas em torno de apenas um nome — Jean-Luc Mélenchon. E a quarta é o cansaço com o discurso dos partidos tradicionais, com migração de eleitores para extremos, favorecendo a polarização.

Das 577 cadeiras na Assembleia Nacional, apenas cinco foram definidas no primeiro turno, quatro pela Nupes (Nova União Popular, Ecológica e Social), aliança das esquerdas encabeçada por Mélenchon, e uma pelo Ensemble!, do presidente Emmanuel Macron. As demais ficaram para domingo, 19. O bloco que conseguir maioria tem poder decisivo na definição do primeiro-ministro, que é quem de fato governa o país (o presidente trata mais de assuntos internacionais) por cinco anos. Pode confirmar Élisabeth Borne, indicada por Macron, ou Mélenchon, se o Nupes somar mais deputados (a maioria absoluta precisa de 289 cadeiras). A chamada coabitação (com presidente de um partido e primeiro-ministro da oposição – no caso Macron-Mélenchon) não é novidade. François Mitterrand era de esquerda e teve como primeiro-ministro Jacques Chirac, de direita; este, por sua vez, quando presidente, teve Lionel Jospin, de esquerda, como primeiro-ministro.

A disputa será acirradíssima, pelos resultados do primeiro turno. Para o Ministério do Interior, a vantagem ficou com o Ensemble! de Macron, com 25,75%, sobre o Nupes de Mélenchon, com 25,66%. Para o jornal “Le Monde”, o Nupes teve 26,11% e o Ensemble! ficou com 25,88%. As duas fontes apontam o mesmo crescimento dos radicais de direita de Marine Le Pen, com o Rassemblement National chegando a mais de 18%, sobre os 13% de 2017. E também a queda de Les Républicains, para pouco mais de 10%, quando teve mais de 21% em 2017. Como os outros partidos não chegaram a dois dígitos, as tratativas por apoios esquentam a semana de intervalo entre os dois turnos, para um bloco chegar a 289 cadeiras, pelo menos, e se tornar majoritário.

O primeiro turno das eleições legislativas de 2022 marcou a estreia do voto eletrônico — apenas para moradores de outros países, como explica François Weigel, professor de Literatura e Língua Francesas na UFRN. Para ele, além do recorde de abstenção (na França o voto é presencial e ainda em cédulas) e do crescimento da ultradireita com Marine Le Pen, deve-se observar que Macron pode ser favorecido pelo sistema de votação que privilegia os grandes partidos. “Ela pareceu meio abatida depois de perder a eleição para o Macron. Não participou muito da campanha das legislativas. Nem ele, porque a situação econômica não está boa. Ficou calado — o que talvez tenha sido um erro”, diz Weigel. “Porque a aliança do Nupes fez campanha, e bem, com Mélenchon mostrando que consegue articular.” Para o professor, esse equilíbrio nas urnas é positivo e mostrou “uma mudança profunda nas raízes da política francesa”.

Novidade é Mélenchon

O professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa António Costa Pinto destaca a França e a Alemanha como “os dois grandes motores da Europa”, e por isso acredita que uma vitória dos aliados de Emmanuel Macron seria melhor para a União Europeia. “A direita populista não é novidade; as esquerdas sob Mélenchon, sim. Mas nem a esquerda radical, nem a direita radical já estiveram no poder. Penso que Macron tentará uma aliança com os pequenos partidos da centro-direita, para evitar a coabitação”, diz. Para Costa Pinto, o segundo turno das eleições legislativas francesas terá menos abstenções. “Pela ‘lei das democracias’, mesmo com essa grande desconfiança do sistema eleitoral e da classe política, quando dois partidos estão muito próximos a mobilização eleitoral é maior”, conclui.