Sigmund Freud permanece vivo. Amado e odiado intensamente, o pai da psicanálise morreu em 1939, mas suas descobertas sobre o funcionamento da mente humana, em especial o inconsciente e a sexualidade, continuam relevantes, transcendendo o mero interesse histórico. Para alguns estudiosos de sua volumosa obra — ele escreveu vinte livros, mais de 300 artigos e cerca de vinte mil cartas — o pensamento de Freud e as provocações que ele estabeleceu em vida são tão influentes hoje quanto na época em que foram formuladas. Uma forte defensora da atualidade do discurso freudiano é a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, que esteve no Brasil na semana passada para lançar “Sigmund Freud na sua Época e em Nosso Tempo” (Editora Zahar), uma biografia de fôlego recebida com elogios pela imprensa europeia. Para o jornal “Le Monde”, “Roudinesco esclarece o homem em vez de julgá-lo, transformando-o numa criatura paradoxal, judeu sem Deus, homem das Luzes atraído pelas forças obscuras, liberando o sexo e praticando a abstinência…”.

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Baseado em anos de pesquisa, o livro ganha frescor com a inclusão de documentos até pouco tempo inacessíveis. “Após trinta anos de polêmicas e batalhas virulentas”, como ela escreve, o essencial dos arquivos de Freud encontra-se agora disponível a consultas no departamento de manuscritos da Biblioteca do Congresso de Washington, Estados Unidos. De posse desse material, a autora aborda a controvertida personalidade de Freud e os fatores que o tornaram um decifrador de enigmas capaz de transformar os costumes do século 20.

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Ainda que várias biografias de Freud já tenham sido escritas (a primeira delas com ele ainda ativo, em 1924), saber quem ele foi realmente exige um enorme esforço, tantas foram as interpretações de seu pensamento. Um exemplo: “A lenda de um Freud violentado pela babá e estuprador da sobrinha encontra então sua fonte, como todas as outras lendas, na própria obra freudiana, incessantemente reinterpretada ao sabor de especulações ou construções infundadas”, escreve Roudinesco, que preferiu “expor de maneira crítica a vida de Freud, a gênese de seus escritos”. O retrato que ela faz é o do autor de uma revolução que impregnou o espírito do nosso tempo ao atribuir-se “a missão de fazer existir o que o discurso da razão procurava mascarar: o lado escuro da humanidade, o que há nela de diabólico, em suma, o recalcado, o desconhecido, o sexo interdito, a estranheza, o irracional”.

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A nova biografia talvez seja a mais rigorosa, não é o único trabalho dedicado a comprovar que ainda há muito a dizer sobre o legado freudiano. Em cartaz nos cinemas desde o dia 15, o filme “Hestórias da Psicanálise – Leitores de Freud” (assim mesmo, com “e”), do também psicanalista Francisco Capoulade, reúne mais de vinte entrevistas para tentar explicar por que seu discurso ainda é tão atual. Um dos depoimentos dá uma boa pista: “Para ele, o amor e a psicanálise são duas formas de tratar a alma, de nos reconciliar com nossa história e inventar outros futuros possíveis”.