Nunca a agenda brasileira colocou em suas páginas a possibilidade de enfrentar para valer a impunidade como agora. Não por uma questão de maturidade da classe política, muito menos pelo bom senso de nossos magistrados, mas sim por uma demanda da sociedade que, depois de 30 anos sob um regime democrático, começa a olhar e a vigiar não só os passos do Executivo e do Legislativo, mas também do Poder Judiciário. Porém, apesar do tema virar conversa de bar, o fim do foro privilegiado, que no frigir dos ovos representa impunidade, está longe de se tornar realidade. A limitação do foro especial de Justiça recentemente aprovada está longe de significar qualquer mudança real. O que se observa nas últimas semanas, seja nos corredores do Congresso ou nos cafés dos tribunais superiores, é uma articulação que visa apenas buscar alternativas para que os brasileiros do andar de cima não venham a perder privilégios. Existem hoje mais de 50 mil cidadãos que pairam acima do bem e do mal. Em boa parte são juízes, procuradores, desembargadores… Têm, na verdade, mais benefícios do que senadores e deputados e não precisam sequer disputar eleições para obter o poder.

A sociedade, agora mais vigilante, precisa saber que ao longo de nossa história já se mudaram regimes e formas de governo, mas nunca privilégios foram abolidos. No Brasil Colônia e no Brasil Império, fidalgos e nobres que cometessem qualquer tipo de delito eram julgados por agentes especiais escolhidos pelo rei ou pelo imperador. Veio a República e, com a Constituição de 1891, o que era informal passou a ser formal.

O foro privilegiado virou lei, sobrevivendo a todas as reformas e constituições vindas a seguir. Assim, àqueles que possuem poder econômico está garantida a impunidade pela enormidade de recursos que pesam em nossa legislação. Aos detentores do poder político criou-se o tal foro especial.

Apenas no âmbito da Lava Jato, em curso há mais de quatro anos, nenhum político com direito a foro privilegiado foi condenado. Nesse mesmo período, 123 pessoas sem direito ao privilégio foram condenadas em primeira instância. Claro, aqueles que detêm poder econômico passarão agora a se valer dos inúmeros recursos para cumprirem pena longe dos cárceres. Fora da operação Lava Jato, os números que revelam a impunidade são ainda mais gritantes. Levantamento feito pela FGV Direito Rio mostra que 68% das ações penais contra cidadãos com foro privilegiado prescreveram — caducaram devido ao tempo transcorrido — ou foram enviadas para recomeçar todo o processo na primeira instância, o que as coloca a um passo da prescrição. Condenações efetivas se deram em apenas 0,74% dos casos. Esses números ajudam a explicar o Brasil que não queremos.