Após intenso toma lá dá cá, com a oferta de ministérios e emendas extras de R$ 3 bilhões aos parlamentares, Bolsonaro conseguiu eleger seus candidatos prediletos para as presidências da Câmara e do Senado, mas agora pretende cobrar a fatura e exigir fidelidade dos novos aliados do Centrão para fazer passar no Congresso tudo o que não conseguiu até aqui: uma Reforma Tributária com o objetivo sub-reptício de aprovar a nova CPMF para aumentar as receitas da União, uma Reforma Administrativa que mantenha os privilégios dos atuais servidores públicos e a aprovação de seus polêmicos projetos, como o do voto impresso, o aumento do armamento da população, o excludente de ilicitude que permite aos militares matar em serviço e a liberação de mineração em terras indígenas. Por ora, o risco do impeachment está afastado, mas políticos mais experientes no Congresso suspeitam que o vitorioso Centrão possa deixar Bolsonaro refém do grupo diante da ameaça do afastamento e assim aumentar o fisiologismo na Esplanada dos Ministérios.

A prioridade do governo, no entanto, é aproveitar a expressiva maioria obtida por seus aliados para destravar a votação do orçamento para 2021, antes mesmo do início da apreciação das reformas. Afinal, sem orçamento não será possível garantir o pagamento do funcionalismo, do Bolsa Família ou mesmo reintroduzir o necessário auxílio emergencial. Por isso, o passo inicial será a constituição, nos próximos dias, da Comissão Mista do Orçamento (CMO). Resta saber se a nova direção do Legislativo se submeterá às vontades do governo ou se terá o mínimo de independência para avançar nas mudanças mais profundas exigidas pela sociedade para a retomada da economia, geração de mais emprego e renda, além de garantir recursos para a vacinação em massa.

APOIO Rodrigo Pacheco (à esq.) foi eleito para a presidência do Senado com o apoio de Alcolumbre (à dir.) e da máquina do governo (Crédito:GABRIELA BILO)

Imobilismo do governo

Parlamentares ouvidos por ISTOÉ acreditam que, ao contrário do que aconteceu no período de Rodrigo Maia (DEM-RJ), em que a Câmara manteve maior autonomia em relação ao governo, a gestão de Arthur Lira (PP-AL) poderá ficar mais submissa às vontades do Executivo, em que pese o desejo pessoal do novo presidente da Câmara de manter Bolsonaro com a faca no pescoço para pressioná-lo a ceder cada vez mais espaço ao grupo fisiológico que comanda. O grande desafio de Lira e de Rodrigo Pacheco, no Senado, será atender as demandas do governo sem provocar o desequilíbrio fiscal e o rompimento do teto de gastos. Lira e Pacheco já se comprometeram com Bolsonaro, com quem se reuniram na quarta-feira, 3, a agilizar a aprovação de medidas que tirem o governo do imobilismo administrativo verificado desde o final do ano passado, e que o mandatário atribuía à manobras do ex-presidente Rodrigo Maia. A equipe econômica já deixou claro que caso venha a introduzir um novo auxílio emergencial, como deseja a grande maioria dos parlamentares, o Congresso terá que propor cortes no orçamento em outros setores essenciais, como Educação e Segurança Pública, ou mesmo aprovar novos tributos, para evitar o descontrole das contas públicas.

No caso das reformas, o governo quer que a nova direção do Congresso apresse a apreciação dos projetos que reduzam gastos e aumentem as receitas. Parlamentares da situação e da oposição preveem que esse clima reformista leve o Congresso à votação das propostas ainda no primeiro semestre deste ano, como impulso para a dinamização da economia, abalada pela pandemia causada pelo novo coronavírus. A primeira proposta a ser discutida, segundo adiantou o novo presidente da Câmara, será a Reforma Administrativa, que chegou na Câmara em setembro do ano passado, mas ainda não teve nem a comissão especial instalada. Já a Reforma Tributária, apesar de já estar em tramitação no Congresso há meses, demandará debates mais amplos. O próprio Lira sinalizou essas prioridades tão logo sentou-se na cadeira de Maia. “Precisamos encaminhar os temas urgentes que necessitam de respostas imediatas. Todas as instâncias desta Casa serão ouvidas. Vamos travar os debates com os demais Poderes. Temos de avançar nas agendas de reformas, que diante do quadro atual são mais urgentes do que nunca”, afirmou Lira.

Mais veloz do que as reformas deve ser a apreciação, já nos próximos dias, da prorrogação do auxílio emergencial, que teve seu pagamento finalizado no final do ano passado e deixou mais de 27 milhões de brasileiros de volta à pobreza extrema. A necessidade da ampliação do benefício foi defendida pelos próprios presidentes da Câmara e do Senado ainda durante a campanha pela disputa dos cargos. Tão logo foram eleitos, porém, os dois reforçaram a necessidade de acabar com a inércia do governo em relação à ajuda aos mais necessitados.

CHAMPAGNE Arthur Lira comemorou sua vitória na Câmara
com muito vinho e nenhuma precaução contra a Covid-19 (Crédito:Dida Sampaio)

Auxílio emergencial

Com receio de perder o protagonismo na prorrogação do auxílio, o Palácio do Planalto corre agora para formular uma proposta que antecipe o início das discussões no Parlamento. A ideia da equipe econômica é que o valor seja intermediário em relação aos R$ 600 aprovados com o aval de Maia no ano passado e que deixou a equipe de Paulo Guedes de cabelos em pé, sob ameaça de rompimento do teto de gastos. Aliados bolsonaristas admitem que o aporte mensal poderá ficar entre R$ 200 e R$ 300.

Ao menos por enquanto, o clima é de relativa paz entre o Centrão e o governo, mas vale lembrar que esse grupo, ao conseguir o apoio de 302 parlamentares, estabeleceu um placar muito próximo dos 308 votos necessários para a aprovação de emendas constitucionais, o que motivou o governo a comemorar efusivamente da eleição de Lira. A ostentação da vitória do deputado alagoano, réu por corrupção e investigado em várias ações de desvios de dinheiro na Petrobras e rachadinhas, foi tão grande que contou com fogos de artifício nas imediações do Congresso e uma agitada festa para centenas de deputados governistas, com direito a champanhe especial aos convivas. Houve uma grande aglomeração e pouquíssimos usavam máscaras. A festa estendeu-se até a madrugada e não faltaram mensagens comemorativas de Bolsonaro nas redes sociais. A depender dos próximos passos do mandatário com relação ao atendimento dos pleitos do Centrão, a demonstração de força de Lira remete à eleição de Eduardo Cunha em 2015 e que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Essa recordação pode se transformar em uma sombra ameaçadora ao ex-capitão. Por enquanto, está tudo dominado.