O Mercosul está num beco sem saída. A possibilidade de a Venezuela assumir a presidência do bloco assustou os demais países membros e criou, na última semana, uma situação que paralisou as ações da entidade. Mas, para o Brasil, esse impasse pode ser positivo. Abertamente contrário à liderança dos venezuelanos, o País passa a avaliar a real necessidade de permanecer na entidade e o quanto não seria mais produtivo negociar livremente com outras nações e organizações, sem carregar o peso de seus vizinhos. O imbróglio começou com o fim da rodada do Uruguai à frente da entidade, que vinha desde dezembro do ano passado e se encerrou na sexta-feira 29. No mesmo fim de semana, o regime de Nicolás Maduro se declarou no comando do bloco, mas os governos de Brasil, Paraguai e, em menor escala, Argentina, decidiram bater de frente com o mandatário bolivariano, o que deixou a instituição em crise. As consequências do impasse são muitas, e podem incluir o fim da aliança sul americana – se não literalmente, pelo menos da forma como a conhecemos hoje. “O presidente da Venezuela não tem condições para assumir a presidência do Mercosul”, disse o ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, na terça-feira 2. “Evidentemente, alguém que não consegue governar seu país não vai poder levar o bloco para um bom caminho.”

Para o Brasil, o embaraço pode ser até bom, já que força um ponto de inflexão para o bloco, que há tempos é um peso desnecessário e um bloqueio às negociações bilaterais do País. Daqui para frente, duas possibilidades se abrem. Ou o presidente Michel Temer se afasta de vez da política conjunta sul-americana, ou adequa a organização a um alinhamento estritamente econômico, ao invés da caixa de ressonância política que dominou as discussões da entidade nos últimos anos. “O Mercosul atrapalhou as negociações do Brasil com a Europa e com os Estados Unidos, mas agora você tem dois governos que querem fazer isso acontecer”, afirma Roberto Troster, coordenador do curso de banking da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP). “Com isso, a perspectiva de crescimento é maior do que nunca.”

“Evidentemente, alguém que não consegue governar seu país não vai poder levar o bloco para um bom caminho” - José Serra, ministro das Relações Exteriores do Brasil
“Evidentemente, alguém que não consegue governar seu país não vai poder levar o bloco para um bom caminho” – José Serra, ministro das Relações Exteriores do Brasil (Crédito:ELZA FIUZA/AGÊNCIA BRASIL)

De imediato, o empecilho paralisa as negociações da entidade, pois a presidência é responsável pela convocação de reuniões e pela definição da agenda dos encontros. Um dos assuntos importantes parados é o fechamento do acordo de livre-comércio com a União Europeia, um dos principais sócios comerciais do bloco. O cotidiano da Comissão do Comércio, que regula de assuntos aduaneiros a normas da instituição, passando pela concorrência e competitividade entre as nações participantes, também fica prejudicado. No plano político, o desentendimento poderá mudar definitivamente a relação de forças e os rumos da aliança. “O que nós estamos vendo é uma espécie de cortina cronológica entre a concepção que se deu ao Mercosul de 2002 ao começo deste ano e a nova motivação que tem orientado a chancelaria de Brasil e Argentina, principalmente”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia (EUA) e membro do Instituto Millennium. “Governos anteriores dos dois países estavam muito alinhados à Venezuela, mas Michel Temer e Mauricio Macri (Argentina) isolaram o regime, que é uma relíquia do período de dominância da esquerda populista na América do Sul.”

De acordo com as normas do bloco em vigência até agora, cada um dos afiliados ocupa o posto por seis meses, revezando-se em ordem alfabética. O rodízio funcionou bem desde 1991, quando foi instituído, e foi comandado até mesmo pela Venezuela, em julho de 2013, um ano depois de sua afiliação. Na época, o clima político no continente convergia para uma mesma direção, com Dilma Rousseff e Cristina Kirchner à frente do poder. Desde então, porém, as coisas mudaram. E a aceitação de Maduro na cabeceira da mesa de negociações passou a ser inaceitável pelos muitos problemas que a administração acumula (leia quadro). O Uruguai de Tabaré Vázquez, da mesma coalização de José Mujica, afirma que não vê problemas de a Venezuela assumir a presidência. A Argentina, cuja chanceler, Susana Malcorra, concorre à Secretaria Geral da Organização das Nções Unidas (ONU), não quer problemas com a vizinhança. Portanto, está atuando contra o bolivariano nas sombras, sem alarde. Assim, ficou a cargo de Brasil e Paraguai baterem de frente com Maduro.

Em reuniões informais realizadas entre as principais nações do bloco, a hipótese que parece mais provável é a de um mandato compartilhado entre embaixadores dos países membros. A presidência tampão se estenderia até o começo do ano que vem, quando a Argentina, próxima da lista alfabética, assumiria o posto. Na sexta-feira 5, dia da cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio, Temer e Macri se encontraram com Horacio Cartes, do Paraguai, para selar a questão. Funcionando ou não, a mudança de rumos deve ser benéfica. “A posição brasileira é corajosa, de bater no peito e pronto”, diz Clodoaldo Bueno, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Temos que ficar mais à vontade para negociar acordos bilaterais, quanto mais mãos livres, melhor.”

VENEZUELA X MADURO

Em meio aos contratempos com seus vizinhos do Mercosul, o presidente venezuelano Nicolás Maduro enfrentou também problemas dentro de casa na última semana. Na segunda-feira 1, o Conselho Nacional Eleitoral do país anunciou a aprovação da primeira fase da coleta de assinaturas do referendo que busca cassar o mandato do dirigente. Cerca de 400 mil nomes foram entregues pela coalizão de opositores ao regime. A consulta ainda precisa ser aprovada em mais um abaixo assinado, e depois passar pelo teste das urnas. Para haver nova eleição, tudo precisa ser aprovado até janeiro de 2017.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias