Sempre temido, mas eternamente postergado, o fim do reinado mais longo do Reino Unido foi recebido com comoção e resignação. A morte da rainha Elizabeth II ocorreu no fim de tarde de quinta-feira, 8, no Castelo de Balmoral, na Escócia, uma das propriedades favoritas da monarca de 96 anos. Dois dias antes, ela havia dado posse à nova primeira-ministra, Liz Truss. A cerimônia de nomeação da premiê ocorreu pela primeira vez na história no Castelo de Balmoral, onde Elizabeth se encontrava. Anteriormente todos os primeiros-ministros britânicos haviam sido nomeados no Palácio de Buckingham, em Londres.

Na manhã de quinta, havia corrido pelo mundo a mensagem do palácio de Buckingham afirmando em nota que a rainha estava sob observação médica, mas “confortável”. Era o sinal de que o fim de uma era estava próximo. Seus quatro filhos, Charles (o novo rei), 73, Anne, 72, Andrew, 62, e Edward, 58, estavam viajando para ficar em companhia da mãe. Os netos, príncipes William, 40, e Harry, 37, também se dirigiam ao local. A nora, duquesa de Cambridge, Kate Middleton, permaneceu em Londres, bem como a esposa de Harry, Meghan Markle, que se encontrava com o marido no país para atender a um evento de caridade. O casal deixou de fazer parte dos membros ativos da família real em janeiro de 2020, quando se mudaram para os EUA, em meio a boatos de brigas entre os familiares.

Divulgação

O Palácio de Buckingham declarou a morte da monarca às 18h30 da noite, no horário local. Dados de voo mostram que o jato do duque de Sussex, o príncipe Harry, ainda estava no ar no momento, não pousando até quase 15 minutos depois. Ele foi visto na parte de trás de um carro deixando o local logo após as 19h. Finalmente chegou à propriedade escocesa às 19h52, onde se juntou a outros membros da família real no luto pela morte da avó. Nas redes sociais, em meio ao espanto de anônimos e famosos, muitos não acreditaram que a morte de Elizabeth II se daria nesse dia. Com bom humor e respeito, muitos diziam que ela era “imortal” e que “ainda vai viver por muito tempo”. Com a notícia, os membros Família Real começaram a trocar as fotos sorridentes em perfis de redes sociais por brasões oficiais em sinal de respeito à rainha. William e Kate, o duque e a duquesa de Cambridge, trocaram uma imagem do casal para uma com seu brasão real oficial. A Clarence House também adotou seu brasão, as penas do Príncipe de Gales, para prestar sua homenagem, substituindo uma imagem de Charles e Camilla Parker Bowles sorrindo em um retrato oficial divulgado em 2019.

Saúde deteriorada

A saúde da monarca se tornou motivo de crescente preocupação desde outubro do ano passado, quando foi revelado que passou uma noite hospitalizada para ser submetida a exames médicos que nunca foram detalhados. Desde então, ela reduziu consideravelmente sua agenda, com aparições em público cada vez mais raras e sendo flagrada caminhando com dificuldade, com o auxílio de uma bengala. No inicio deste ano, Elizabeth contraiu Covid-19 e relatou que após a doença ficou “muito cansada e exausta”. De acordo com fontes do palácio londrino, a doença a deixou ainda mais debilitada. Desde março, ela apresentava problemas na mobilidade e chegou a comprar um carrinho de golfe para auxiliá-la em sua locomoção.

Ativa durante todo o seu reinado, a monarca começou a se afastar da cena pública apenas recentemente. Em junho deste ano, deixou de participar de do evento em comemoração aos 70 anos de seu reinado, o Jubileu de Platina, pois, de acordo com o Palácio de Buckingham, ela teria sentido um “desconforto”. No mês seguinte, ela diminuiu oficialmente as aparições oficiais. O mais recente compromisso que a rainha precisou desmarcar devido a problemas de saúde foi uma reunião virtual com ministros no próprio dia 7.

Com a notícia da morte, chefes de Estado e de governo correram para se manifestar. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos primeiros a lamentar. Em suas redes sociais, ele prestou suas condolências aos familiares e destacou a amizade entre seu país e a Inglaterra. “Sua Majestade a Rainha Elizabeth II incorporou a continuidade e a unidade da nação britânica por mais de 70 anos. Guardo a memória de uma amiga da França, uma rainha de copas que marcou seu país e seu século para sempre”, publicou. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, definiu Elizabeth II como uma “presença constante e fonte de conforto e orgulho para gerações de britânicos”. Em nota, o presidente norte-americano e a primeira-dama Jill alegaram que a rainha era mais que uma monarca. Ela havia definido uma era, afirmaram. “Em um mundo em constante mudança, era uma presença constante e uma fonte de conforto e orgulho para gerações de britânicos, incluindo muitos que nunca conheceram seu país sem ela”.

Repercussão

Já Liz Truss disse em comunicado que Elizabeth era “a pedra na qual o país foi construído. Nossa nação cresceu e floresceu sob seu reinado. Nos dias difíceis que virão, nos reuniremos com nossos amigos em todo o Reino Unido, a comunidade e o mundo para celebrar sua extraordinária vida de serviço. É um dia de grande perda, mas a rainha Elizabeth II deixa um grande legado. Deus salve a rainha”. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, afirmou que “ao olharmos para trás, para sua vida e seu reinado que durou tantas décadas, os canadenses sempre se lembrarão e apreciarão a sabedoria, a compaixão e o calor de Sua Majestade”. Ele acrescentou que “os pensamentos de todos estão com os membros da Família Real durante este momento mais difícil”.

Ela conseguiu marcar seu reinado pela serenidade e firmeza que demonstrava não só diante da família mas também com os várias gerações de políticos. Sua experiência abrangeu e inspirou o país desde os tempos difíceis da Segunda Guerra, com Churchill, até a recente convulsão do Brexit. Atravessou o desmantelamento do Império ao longo do século XX, a Guerra Fria, os swinging sixties dos Beatles, o fim do comunismo, a volta do liberalismo sob Thatcher e o renascimento de Londres nos anos 2000. Conseguiu com a sua figura manter o Reino Unido como o centro simbólico do Ocidente democrático e sua capital como o exemplo perfeito da união bem-sucedida da modernidade com a tradição secular. Contou, claro, com pontos baixos, como as crises econômicas e as contestações à família real – que nunca prosperaram. Mas as manifestações em massa de afeto em seus jubileus de prata, ouro e diamante testemunharam o lugar especial que ela ocupou. Mesmo quando havia críticas à instituição da monarquia, raramente se traduziam em um ataque pessoal a ela. Quinze primeiros-ministros a serviram, atestando seu profundo conhecimento, experiência em assuntos mundiais e domínio da neutralidade política.

Crises familiares

Com uma atitude no trato pessoal que parecia transmitir até frieza, Elizabeth II não se deixou abalar com os escândalos: as possíveis traições de seu marido quando jovem, o seu filho Andrew envolvido em escândalos sexuais ou até mesmo o explosivo relacionamento de Charles com Diana, a princesa que rivalizou em popularidade com a rainha e levou à maior crise da família real sob Elizabeth. Os deslizes de Elizabeth II eram pequenos, mas relevantes, como fazer um discurso sobre pobreza ao lado de um piano feito em ouro. Alvo de especulações e nunca oficialmente informada, sua fortuna pessoal é estimada em US$ 500 milhões, ou R$ 2,6 bilhões. O valor se refere a investimentos, joias e dois castelos. Já o patrimônio total da Coroa Britânica, segundo a mesma publicação, é de US$ 28 bilhões, ou R$ 146,2 bilhões.

A morte da rainha acontece em um momento delicado. Liz Truss herdará a tarefa hercúlea de consolidar o Brexit. A conturbada saída da União Europeia criou um desafio econômico que ainda precisará ser enfrentado. As promessas de renovação econômica sem as amarras da burocracia do bloco europeu não se concretizaram. Ao contrário, a separação do maior mercado econômico do mundo criou dificuldades ainda não devidamente superadas. A pandemia paralisou a economia, ainda que tenha mostrado mais uma vez ao mundo a excelência da ciência britânica, capaz de criar uma vacina pioneira (Londres foi a primeira cidade do mundo a vacinar). A guerra na Ucrânia agravou a situação e levou a uma crise energética grave, que se tornou o problema mais imediato do novo governo. O aumento da taxa de juros, a desvalorização da libra e a alta da inflação, todos em proporções históricas, são sinais dos obstáculos que estão à frente.

FUTURO Príncipe William, que agora é o primeiro na linha de sucessão, com os filhos George e Charlotte (Crédito:ASHLEY CROWDEN)

No momento, a sociedade está toda voltada para o funeral da rainha. O serviço solene deverá trazer um sentimento de continuidade, confiança e agradecimento. Nos primeiros dias de luto, saudações de armas cerimoniais são esperadas no Hyde Park e em Tower Hill. O rei Charles III deverá então realizar sua primeira audiência com a primeira-ministra e assinará oficialmente os planos funerários completos. Charles fará uma transmissão ao país e à Commonwealth e o funeral de Estado está previsto para os próximos 10 dias. Serão diversas as homenagens. Charles III será encarregado de participar de boa parte delas, recebendo líderes mundiais e membros de outras famílias reais. No primeiro grande evento cerimonial que antecede o funeral, o caixão será carregado do Palácio de Buckingham para o Westminster Hall e deverá ter visitação pública. O funeral de estado será realizado na Abadia de Westminster após o caixão contendo os restos mortais de Elizabeth II ter sido carregado em uma procissão pela cidade. Após o serviço religioso, um cortejo levará o corpo até a Capela Memorial do Rei George VI, no Castelo de Windsor, onde será enterrado junto com seu marido, o duque de Edimburgo, que faleceu no ano passado.

País em mudança

O Reino Unido precisará reencontrar sua identidade após o desaparecimento de Elizabeth II. A era vitoriana, da sua tataravó, rainha Vitória (1819-1901), marcou a humanidade no século XIX. Foi um período em que a ciência triunfou, a democracia liberal se espalhou e a economia industrial se desenvolveu, dando os primeiros passos para a globalização que se consolidaria um século depois. A morte de Elizabeth II também encerra um capítulo de grandes transformações. Monarca mais longeva da história após Luis XIV, da França, Elizabeth II (1926-2022) se transformou em ícone da cultura ocidental, respeitada pelos súditos e admirada em todo o mundo. Ao morrer, deixa o Reino Unido para Charles, que terá a difícil tarefa de rivalizar seu reinado nascente com a estatura insuperável da mãe.