Durante anos, aprendemos a viajar guiados pelas estações. O verão era tempo de mar, cachoeiras cheias, calor previsível. O inverno era certo para a neve, o frio seco, as lareiras acesas. Mas esse roteiro silencioso da natureza — que organizava o calendário do turismo e também o nosso interno — já não se repete com a mesma constância. Em vários cantos do mundo, as estações estão deixando de ser o que eram. E isso muda tudo.
Em janeiro, nevou menos do que o esperado nos Alpes. No Pantanal, a seca extrema tem desregulado o ciclo das cheias e transformado os safáris em um jogo de sorte. Em Fernando de Noronha, o mês de abril — tradicionalmente um dos mais secos — passou a registrar chuvas acima da média nos últimos três anos. O que era exceção virou frequência. E o que era previsível virou dúvida.
Para quem vive do turismo de natureza — ou simplesmente ama a viagem como forma de conexão com o mundo — esse embaralhamento traz implicações práticas e existenciais. Escolher uma trilha ou uma estação de esqui já não depende só de gosto pessoal ou de orçamento. É preciso acompanhar boletins climáticos, atualizações ambientais e, mais do que nunca, saber lidar com o imprevisto. A natureza não está mais no piloto automático.
Essa instabilidade climática também afeta comunidades que dependem das estações para sobreviver. Guias locais, pequenos produtores, pousadas sazonais. Se a cheia não vem, o barco não navega. Se a chuva não dá trégua, o turista não chega. A economia informal do ecoturismo sente primeiro os sinais de que algo está fora do lugar — bem antes de os dados aparecerem em relatórios.
Mas talvez o maior impacto seja simbólico. Perder as estações como referências é também perder uma bússola afetiva. A gente sabia onde buscar frescor, onde esperar calor, onde celebrar a virada do tempo. Agora, esse tempo virou outra coisa: mais urgente, mais desconcertado, mais frágil. É como se a Terra estivesse tentando nos dizer algo — mas será que conseguimos ouvir direito?
Ouvir, neste caso, é aceitar que o roteiro fixo talvez não exista mais — e que a adaptação será parte essencial da experiência. Para o viajante, isso significa planejar com margem de flexibilidade, acompanhar as atualizações climáticas de cada destino, e priorizar operadoras e hospedagens que atuam com responsabilidade ambiental. Para quem vive do turismo, é tempo de investir em capacitação, diversificar fontes de renda, estudar alternativas viáveis em períodos historicamente ociosos. Às vezes, o que antes era “baixa temporada” pode se tornar uma nova oportunidade. Mais do que nunca, natureza e turismo vão precisar caminhar juntos — mas com novos acordos, outras escutas e mais humildade diante do imprevisível.
Como bem disse Ailton Krenak: “As mudanças climáticas precisam ser observadas da perspectiva da relação do nosso corpo humano com o corpo da Terra, que é a nossa mãe. Se olharmos as mudanças climáticas nessa perspectiva biocêntrica, não antropocêntrica, vamos aprender muito mais e vamos nos tornar mais resilientes a elas. As mudanças climáticas virão, não adianta espernear, e quem tem que mudar somos nós”