REINADO E QUEDA Eduardo Cunha nos tempos de poder e dos holofotes: agora são o ostracismo ou a prisão que podem estar próximos
REINADO E QUEDA Eduardo Cunha nos tempos de poder e dos holofotes: agora são o ostracismo ou a prisão que podem estar próximos

Finalmente Eduardo Cunha colocou em prática, na quinta-feira 7, o bordão que criou para si há vinte anos, quando trabalhava na rádio gospel Melodia FM, no Rio de Janeiro: “Afinal de contas, o nosso povo merece respeito”. Sim, Eduardo Cunha, pela primeira vez em um quarto de século de vida pública, respeitou o povo: ele renunciou ao cargo de presidente da Câmara dos Deputados, e com certeza o Brasil tornou-se melhor política e moralmente. Claro que o acinte ao País em ter Cunha no Congresso só será de vez sepultado se seus colegas cassarem o seu mandato parlamentar, por enquanto apenas suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal. Mas longe do comando da Câmara, o poder de manobra de Cunha se esvazia consideravelmente, é como alfinetada naquelas tantas bexigas de festa que muitos de seus pares levaram ao plenário para comemorar no ano passado a sua eleição (com 267 votos) à presidência da Casa. Não se imagine, no entanto, que Cunha deixou o cargo porque sabe que o Brasil o quer longe daqui. O pleno respeito ao povo, que ele tanta frisa, seria afastar-se completamente da política e, no ostracismo, esperar que a Justiça se pronuncie. O que Eduardo Cunha protagonizou na semana passada é mais uma jogada: com ensaiado embargo na voz e fáceis lágrimas nos olhos ao citar pressões sobre a família, enquanto lia a carta de renúncia, ele fez a aposta “deixo a presidência da Câmara e, em troca, poupo o meu mandato”. Nesse momento, mandato para ele é a blindagem que lhe garante o privilégio de foro: STF e não Sergio Moro. Cunha pôs ficha numa parada alta e oportunista. O futuro dirá se ele sairá ou não ganhador.

DEMAGOGIA A ensaiada voz embagarda e as fáceis lágrimas nos olhos não faltaram na leitura da carta de renúncia: se alguém acreditou é porque pouco aprendeu com Eduardo Cunha
DEMAGOGIA A ensaiada voz embagarda e as fáceis lágrimas nos olhos não faltaram na leitura da carta de renúncia: se alguém acreditou é porque pouco aprendeu com Eduardo Cunha (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os brasileiros que tinham Eduardo Cunha por inteiro já se sentem um pouco aliviados em tê-lo pela metade – somente a porção deputado e, assim mesmo, espera-se que não por muito tempo. Sem ele a liderar a Câmara, o País sai ganhando porque, daqui para frente, será outra a agenda legislativa, lembrando que o Brasil precisa com urgência que o governo consiga que se votem e se aprovem mediadas econômicas que acelerem a saída da crise herdada das disparatadas gestões petistas. Com Cunha no comando, a Câmara passara a funcionar ao sabor de suas eternas manobras na tentativa de se livrar da cassação, e isso era todos os dias. A arrogância do ontem chorão era tanta que, ao montar a CPI da Petrobras, ele foi a ela sem ser convocado e afirmou peremptoriamente: “não tenho contas na Suíça, não tenho contas nem dinheiro no exterior”. Mentiu, e por isso foi aberto na Câmara processo contra ele por quebra de decoro. Mais: juntamente com sua mulher, Cláudia Cruz, ele está atolado em denuncias de corrupção e lavagem de dinheiro a ponto de ter sido o primeiro réu da Lava Jato no STF (são dois processos) e ver o mandato suspenso pela Corte até que a Câmara sele o seu destino (a acusação é de obstaculizar a Justiça). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o denunciou ao STF pelo recebimento de propina no valor de US$ 5 milhões em contratos para construção de dois navios-sondas da Petrobras entre 2006 e 2012. Além da ação penal, Janot requer ressarcimento de US$ 40 milhões como “produto e proveito dos crimes”.

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Foram tantas as manobras de Cunha no Conselho de Ética da Câmara que algumas delas são mais dignas de almanaque que de livros sobre a história de nosso Congresso. A derradeira, por exemplo, projetou nacionalmente a então desconhecida deputada Eronildes Vasconcelos Carvalho, a Tia Eron, aliada de Cunha e que se tornara dona do voto decisivo sobre a aprovação do processo de cassação. Numa das sessões, Tia Eron sumiu. Mas a essa altura já não tinha jeito, na sessão seguinte ela teve de votar contra o amigo sob pena de ficar extremamente impopular. Aprovado no Conselho de Ética o parecer favorável à cassação, o esperneio de Cunha passou a ser, então, na Comissão de Constituição e Justiça, porque se nela anularem o parecer sob alegação de falhas nas firulas regimentais, todo o processo volta à estaca zero. A novela CCJ foi interrompida na quarta-feira 6, após o relator Ronaldo Fonseca defender a anulação da votação no Conselho de Ética. Mas Cunha esperava muito mais dele. Dos 16 pontos apresentados pelos advogados, o não tão amigo Fonseca ficou com apenas um: o que discute se o regimento foi quebrado porque a votação foi aberta e com chamada nominal. Bobagem isso, é o tal do último suspiro, e o próximo capítulo da série CCJ vai ao ar nessa semana.

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Outro ganho para os brasileiros, nesse Brasil sem Cunha, é que agora diversos setores do estado maior do PT e muitos petistas do andar de baixo não mais poderão insistir na lenga-lenga de que o “processo de impeachment de Dilma foi uma manobra para a preservação do corrupto Eduardo Cunha”. Esse discurso cansou, acabou-se a ladainha do PT. Não menos ridículo é o fato de Cunha ter afirmado, em seu pronunciamento de renúncia, que está “pagando um alto preço por ter dado início ao impeachment”. Chega de ideias fora de lugar, não é nada disso. Refira-se ao PT ou a Cunha, o que está em pauta é a política calcada no interesse próprio e na corrupção. Finalmente, a queda de Cunha da presidência é boa para o Brasil porque agora, dos entendimentos e das conversações que compõem os cenários políticos, sairá um candidato para o cargo alinhado com o governo de Michel Temer, viabilizando assim o destravamento de pautas e a aprovação de medias saneadoras da economia (o fato de o interino Valdir Maranhão não virar titular dispensa comentários). Tal candidato, é quase certo, pertencerá ao Centrão, o maior bloco de partidos na Câmara. Na própria quinta-feira já tinha muita gente costurando a disputa, e isso é normal, mas quase não se via pelos cantos parlamentares chorando o falecido. E um experiente deputado resumiu bem o dia: “a partir de hoje a política no Brasil já não tem o p tão pequeno”.