Recentemente, o estudante de cinema Alexandre Mortagua, 22 anos, filho do ex-jogador Edmundo, viu um vídeo do pai. Comentarista de um canal de esportes, ele havia discutido com outros apresentadores e ficou emburrado de uma forma que pareceu familiar a Alexandre. “Engraçado como, apesar de nem nos conhecermos, a gente se parece um pouco”, diz. O jovem afirma que foi abandonado pelo ex-atleta aos quatro anos de idade e que sofreu preconceito da própria família, que não aceitou o fato de ele ser homossexual. Sua mãe, a ex-modelo Cristina Mortagua, promoveu até um princípio de exorcismo para forçá-lo a deixar de ser gay. Hoje, às vésperas de terminar a faculdade de Artes Visuais, Alexandre planeja lançar uma trilogia no cinema para expurgar seus demônios internos. O primeiro filme, que fala sobre abandono paterno, está em produção e deve ser lançado no ano que vem. “Sei porque passei por isso”, diz. “Fiz terapia desde pequeno e tenho milhões de coisas bem resolvidas, mas essa eu preciso ressignificar.”

“Numa relação que envolve só dinheiro, vai faltar amor” Edmundo, comentarista de esportes
“Numa relação que envolve só dinheiro, vai faltar amor”
Edmundo, comentarista de esportes (Crédito:Thiago Bernardes/Frame)

A relação de Alexandre com Edmundo é distante há bastante tempo. Apesar de lembrar a infância como um período feliz, na adolescência o cineasta começou a entrar em conflito com Cristina. Depois de uma briga entre os dois, mãe e filho foram parar na delegacia. A modelo foi presa e o ex-jogador não foi buscar o filho na polícia. No processo de guarda que se seguiu, a Justiça estabeleceu que Alexandre e Edmundo deveriam fazer terapia familiar. De acordo com o cineasta, o pai foi a uma única sessão, a primeira, enquanto as demais ele fez sozinho. A única lembrança de afeto que possui do ex-jogador é relatada por Cristina, que conta que, numa ocasião, entrou no quarto e viu Edmundo assistindo a um vídeo do parto de Alexandre, com o menino de quatro anos dormindo em sua barriga. “O mais estranho é que eu vejo essa cena pelos olhos dela”, afirma o jovem.

Para Edmundo, as coisas se deram de forma diferente. O ex-jogador diz que paga em dia a pensão alimentícia determinada pela Justiça, de 30 salários mínimos (R$ 28.110) mensais, mais 13º. Mas que Alexandre só entra em contato para cobrar os depósitos e que pede sua prisão quando o valor do mínimo é reajustado e, por acidente, fica faltando uma parte. “Ele me liga para falar da pensão, mas nunca no meu aniversário ou no dia dos pais”, diz. “Numa relação que envolve só dinheiro, vai faltar amor.” Sobre a terapia, ele apresenta uma versão diferente da do filho. O ex-jogador afirma que compareceu a todas as sessões e que era o jovem quem costumava faltar. A psicóloga responsável pelas análises, Eda Fagundes, diz que nenhum dos dois deixou de comparecer. E que o tratamento era feito em conjunto e separadamente.

Cristina, a mãe, e Alexandre, quando ainda era criança
Cristina, a mãe, e Alexandre, quando ainda era criança (Crédito:Gustavo Azeredo)

Então evangélica, Cristina chegou a tentar um princípio de exorcismo para o filho deixar de ser gay, com música gospel e unção com óleo. Sobre a orientação sexual do filho, Edmundo afirmou, em 2011, que “por mais que não seja preconceituoso, ninguém quer ter filho gay, até pelo preconceito que ele vai sofrer”. Em 2013, que não via “nenhum problema com a sexualidade dele”, contanto que, “numa reunião de negócios, ele vá de forma apresentável”. À ISTOÉ, declarou: “Isso pouco me importa. Tenho muitos amigos gays, nenhum problema”. Sobre Cristina, o ex-jogador não fala. “Eu nunca tive nada com ela, só comi numa noite”, diz. “E tive um filho maravilhoso, que é o Alexandre, mas nunca fomos uma família.” Atualmente, mãe e filho fizeram as pazes e se dizem melhores amigos (fotos dela estão penduradas nas paredes da casa do jovem).

Projeto

Da relação complicada com os pais está previsto para sair, em maio de 2018, o filme “Todos nós 5 milhões”, de Alexandre Mortagua, cujo nome faz referência a um dado do Conselho Nacional de Justiça sobre o número de crianças abandonadas no Brasil. Mistura de documentário e ficção, o longa conta com depoimentos de 23 pessoas, além da história de uma família que junta elementos dos entrevistados, além da experiência do próprio realizador. Focado na figura das mães, a obra promete ser o primeiro de uma trilogia sobre o núcleo familiar. O próximo será sobre filhos, com foco em modelos de conduta homossexuais. O último, sobre pais. Procurada, Cristina disse que está “prezando pela discrição”.

Aula de tolerância
Ex-jogador Toninho Cerezo é pai de modelo transexual Lea T

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Divulgação

Num País que é líder de assassinatos de LGBTs, o ex-jogador Toninho Cerezo deu uma aula de tolerância a um dos meios mais machistas do Brasil, o do futebol. Após sua filha Lea T. ganhar fama internacional como modelo, o ex-atleta se viu bombardeado por especulações sobre sua relação com ela. Convidado a falar sobre o assunto, divulgou uma carta emocionada. “A paternidade é livre de qualquer padrão, de qualquer critério imposto pela sociedade. Filho deve ser aceito na sua totalidade, independentemente de sua orientação sexual.”

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Christiano Mazzola / AE