A celebração do Dia da Vitória em Moscou foi um anticlímax. Teve na verdade um gosto amargo de derrota para Vladimir Putin, e isso contra todas as expectativas. A data que marca o triunfo sobre os nazistas é usada como peça de propaganda nacionalista pelo Kremlin desde a Segunda Guerra. Com o fim da União Soviética, Putin sempre contou com essa efeméride para resgatar a glória do passado e reviver o orgulho imperial.

Mas os problemas da guerra na Ucrânia mostraram, ao contrário, a frivolidade dessa pretensão. Retomar a geopolítica da Guerra Fria é um equívoco ideológico que custará caro a Putin. Seu plano inicial, de ocupar militarmente o vizinho e colocar um governo fantoche, evaporou-se pois o seu Exército se mostrou desatualizado, incompetente e desmotivado. Mesmo com investimentos altos e um contingente poderoso, seus militares fracassaram no início, e continuam fracassando. Estão paralisados e esforçam-se para manter o controle no leste e no sul da Ucrânia. A Força Aérea russa até hoje não conseguiu a supremacia aérea no vizinho. E os modernos armamentos ocidentais, que apenas agora chegam de forma mais abundante e veloz aos ucranianos, mostram-se cada vez mais eficientes.

Parte do fiasco russo se deve à fragilidade econômica e industrial do país. Mas principalmente ocorre pela herança política e organizacional do atual governo, que espelha ainda a burocracia soviética e a cadeia de comando anacrônica montada pelos comunistas. O poder é altamente centralizado, não há transparência, os problemas são escondidos por funcionários ávidos por adular os poderosos. Quem aponta falhas é punido e há uma cultura do segredo. O poderoso ministro da Defesa, Serguei Choigu, não tem experiência militar e deve seu posto apenas à proximidade com Putin. Essa deficiências explicam em parte a surpreendente morte de mais de dez generais russos.

Militares ocidentais estão surpresos com as falhas em série das tropas de Putin. O armamento é obsoleto e os soldados mostram-se despreparados para a guerra tecnológica e assimétrica moderna. Putin renovou mísseis nucleares, mas negligenciou a profissionalização das Forças Armadas. Conta com recrutas despreparados e acha que a ocupação em pleno século XX pode reproduzir táticas da época da Stalin. Na frente interna, se apoia na censura à imprensa e no controle ditatorial da população. Isso na era das redes sociais.

Essa visão retrógrada impediu Putin de enxergar nos ucranianos o desejo legítimo de se integrarem à Europa. Até políticos ucranianos do Donbas que falam russo, comemoram o Dia da Vitória todos os anos e defendiam políticas alinhadas com Moscou pegaram em armas para defender seu país dos invasores. Isso foi uma surpresa total para o apparatchik do Kremlin.

Manter o controle sobre essa região industrial apelas pela força militar não será tarefa fácil. Mesmo se Putin paralisar a guerra com a ocupação permanente desse naco do território ucraniano, terá dificuldades em governá-lo.  Os ucranianos provaram que desejam um passaporte para o futuro. O russo ainda está voltado para o passado. A parada militar da última segunda-feira não celebrou um triunfo. Foi um sinal melancólico de nostalgia antiquada.