O Ministério da Defesa decidiu, na tarde desta segunda-feira, 13, acionar a Procuradoria Geral da República contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

No sábado, durante uma live realizada pela IstoÉ, o ministro afirmou que o Exército está “se associando a um genocídio” – a morte de dezenas de milhares de pessoas no Brasil, por causa da Covid-19.

A fala deixou os generais do Planalto furiosos.

O Ministério da Defesa reagiu no próprio sábado, elencando todas as atividades de combate à pandemia em que 34 mil militares estariam envolvidos. “O MD tem compromisso com a saúde e com o bem-estar de todos os brasileiros de norte ao sul do País”, disse a nota oficial.

Não foi suficiente. Depois de esbravejar um pouco pela imprensa, chamando de levianas e fora do tom as declarações de Gilmar Mendes, os militares resolveram revidar para valer, pedindo à PGR que tome as “medidas cabíveis”.

É mais uma daquelas situações, tão abundantes no Brasil atual, em que ninguém tem razão.

Genocídio é uma palavra que vem sendo desvalorizada no debate público. Aparece coloquialmente quando há morte em grandes números, mas não deveria ser assim. A palavra tem um peso histórico e jurídico que merece ser preservado.

Como sabem os judeus, os armênios, os bósnios, os tutsis e tantos outros povos, genocídio é morte com método. Resulta da intenção de exterminar um grupo inteiro de pessoas e se faz de maneira sistemática, com câmaras de gás, marchas forçadas em situações extremas ou fuzilamentos em massa.

Obviamente, genocídio também é crime – um dos mais graves previstos na legislação brasileira e internacional.

Foi essa a deixa para os militares. Se um ministro do STF sugere de forma imprudente que as Forças Armadas estão empenhadas em cometer assassinato em escala industrial, cabe reagir. Inclusive por meio da PGR.

O Exército brasileiro não é genocida. Os generais do Planalto, que batem continência ao Capitão Cloroquina, não são genocidas. Nem mesmo o próprio Capitão Cloroquina, também conhecido como presidente Jair Bolsonaro, deve ser chamado de genocida.

O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, é um irresponsável da pior espécie. É alguém que não se importa em dar às suas palavras de leigo a mesma força das palavras da medicina, que deveriam prevalecer em meio a uma pandemia. Alguém que por narcisismo e cálculo político prefere semear confusão em vez de fazer aquilo para que os políticos são eleitos: atenuar os males sociais em vez de deixá-los varrer o país.

Nessa irresponsabilidade, não apenas os generais do Planalto, mas o próprio Exército já está mergulhado.

Lembremos que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, é um general da ativa. Ele levou para dentro do ministério ao menos duas dezenas de militares. Em vez de atuarem com o rigor técnico supostamente incutido em quem tem essa formação, eles se renderam gostosamente às vontades do Capitão Cloroquina.

Ainda que Pazuello passe para a reserva, como é provável que aconteça no final deste mês, o Exército não será eximido da cumplicidade com a política da doença (e não da saúde) de Bolsonaro.

Como militares, os generais do Planalto estão mostrando ser ótimos políticos. Foram hiper eficazes em conter o presidente e fazê-lo compor com o Centrão. Mas foram zero eficazes em conter o presidente e deixar que a ciência desse as cartas no Ministério da Saúde.

Todos, além disso, trabalharam juntos para produzir um estoque de cloroquina que deve durar até o fim dos tempos.

Em tempos mais sensatos, talvez a fala de Gilmar Mendes não fosse parar na Justiça. Num país em crise de nervos perene, a declaração infeliz deu ensejo a mais um round na guerra entre poderes.

Pode até ser que os militares colham uma vitória neste caso, forçando uma retratação ou algo do gênero.

Muito mais difícil, a cada dia que passa, é esconder da História a complacência do Exército com as políticas insensatas que Bolsonaro adotou e as medidas sensatas que deixou de adotar durante a pandemia.

O episódio deverá ser lembrado no futuro ao lado da tentativa de escamotear a epidemia de meningite que se abateu sobre o país em 1974, durante a ditadura militar.