Apesar de aliada de Jair Bolsonaro desde 2018, a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão (PP-DF), afirma que o ex-presidente precisa fazer uma reflexão sobre sua responsabilidade em relação aos atentados de 8 de janeiro contra os Três Poderes. “A democracia foi algo conquistado com muita dificuldade. Vivemos um período de trevas no Brasil”, diz. Para ela, “a ação dos extremistas manchou a história da direita” e por isso as lideranças deste espectro político têm o dever de atuar de forma firme no repúdio ao terrorismo e na punição dos envolvidos, “sem medo das críticas das bolhas”. “Se quiser fazer uma disputa, faça no campo das ideias. Se quiser se manifestar, tome as ruas. Mas quebrar patrimônio e urinar nos tapetes do Congresso, não”, adverte. Segundo Celina, “qualquer crítica a deputados, ao Executivo ou ao Supremo precisa ser pontual. Devemos lembrar que as instituições não erram. As pessoas é que são falíveis”, emenda. A mandatária pretende encampar um projeto de união nacional. “Tenho ligado para governadores e dito: ‘Hoje foi comigo, mas amanhã pode ser com você’. Podemos dialogar de forma institucional com a esquerda de Lula mesmo a gente sendo de direita. Precisamos desarmar os palanques políticos”, disse ela à ISTOÉ.

Bolsonaro tem responsabilidade pelos atos do dia 8?
O próprio Bolsonaro precisa fazer essa reflexão, porque a democracia foi algo conquistado com muita dificuldade. Vivemos um período de trevas no Brasil. Sempre é bom lembrar quantos direitos e garantias fundamentais a Constituição de 1988 restabeleceu. Mas quem sou eu para fazer críticas a presidente A, B ou C. Acho que a história sempre nos faz refletir sobre o que poderíamos ter feito ou evitado.

Ainda se considera bolsonarista?
Bolsonaro foi importante em determinado momento, porque uniu a direita. Mas tivemos extremistas que se agregaram. Não tenho vergonha de ter feito campanha com ele. Agora, os erros de falas… Cada um tem um CPF, como disse Lira. Fiz uma campanha ostensiva com a Michelle, mas respeitosa. Quando acabou, continuei meu trabalho na Câmara. A direita precisa se reposicionar. Não podemos perder nosso maior legado: a pacificidade e o diálogo. Vai haver um reposicionamento natural. Se quiser fazer uma disputa, faça no campo das ideias. Se quiser se manifestar, tome as ruas. Mas quebrar patrimônio, urinar nos tapetes do Congresso, não. Qualquer crítica a deputados, ao Executivo ou ao Supremo deve ser pontual. As instituições não erram. As pessoas são falíveis. A democracia está de pé. Essa é a mensagem.

Qual a importância desse reposicionamento?
Se não dermos um breque, se não fizermos discursos firmes pela pacificação sem medo de perder votos, a guerra será aqui. O 8 de janeiro foi um choque, mas serviu para uma reflexão muito maior. As famílias estão brigadas. Será mesmo que algum político do Brasil merece um pai não falar com a filha? Um irmão não falar com um irmão? Por pouco não houve algo mais grave. Estamos com 43 policiais feridos. É hora de mudar.

Os atentados do dia 8 de janeiro fecham as portas da política para Bolsonaro?
Há um desgaste não só para Bolsonaro, mas para toda a direita. Atacam a direita, agora, em decorrência dos extremistas, como se todos os deputados e governadores que fizeram campanha com Bolsonaro apoiassem uma barbárie daquela. Por isso, precisamos deixar muito claro o repúdio e traçar uma linha muito firme, sem medo das críticas de bolhas. Se você me pergunta, hoje, porque Bolsonaro perdeu as eleições, respondo: por se posicionar num extremo, pela falta de diálogo e de interlocução. Perdemos para nós mesmos.

A bancada de direita precisa fazer uma autocrítica por não ter freado os ataques dele à democracia?
Frear um presidente não é o papel da bancada. Muitos colegas, por mais que apoiassem Bolsonaro, tinham divergências. Ocorre com todos. Lula fala algumas coisas que despertam críticas na base dele. É da democracia. O que Bolsonaro falou e deixou de falar é uma reflexão muito pessoal que ele próprio precisa fazer, porque todos colhemos os frutos do que plantamos — e o fruto que estamos colhendo no DF não é positivo. Estamos com dificuldade.

Com a intervenção federal na Segurança do DF chegando ao final, a sra. crê que esse foi um processo necessário?
A intervenção na Segurança, naquele momento, era necessária, até para que a gente colaborasse com as investigações. Tivemos um desligamento de toda a área de Segurança para que o interventor buscasse informações e fizesse as exonerações e nomeações que considerasse pertinentes. A intervenção nos deu condição de neutralidade para que a apuração ocorresse da forma mais transparente possível. A colaboração foi tamanha que, em entendimento com o ministro Flávio Dino, viu-se que não havia a necessidade de prorrogação da medida.

A sra. crê que, findada a intervenção na Segurança do DF, há espaço para a revisão da decisão de Alexandre de Moraes que afastou Ibaneis Rocha do cargo?
Sim. Ibaneis foi eleito democraticamente, a cidade está pacificada do ponto de vista de gestão, a estrutura da Segurança será mantida. Todas as provas foram colhidas, depoimentos foram tomados. Não há mais impedimentos para a presença dele no Palácio do Buriti. Sabemos que essa é uma decisão do Supremo e respeitamos. Mas, no meu ponto de vista, é complicado ficarmos assim por mais 60 dias.

Houve a identificação de algum risco de distúrbio em Brasília para o retorno do Judiciário e do Legislativo agora no início de fevereiro?
As medidas são apenas preventivas. O que ocorreu no DF manchou muito a história da direita, que sempre conduziu manifestações pacíficas. Aquilo não representa a direita brasileira, mas um extremo — e todo extremo, seja de qualquer espectro político, desequilibra o país. O Brasil precisa de vozes que tenham coragem de exigir paz, de defender a democracia. Temos governadores de direita e um presidente de esquerda. Isso precisa ser respeitado.

Há espaço para a pacificação?
Temos 58 milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro e não concordam com a baderna que aconteceu. Mas isso precisa ser reforçado pelos líderes. Tenho ligado para governadores e dito: ‘Hoje foi comigo, mas amanhã pode ser com você’. Temos famílias que não conversam mais por causa de diferenças ideológicas. O que é isso? Precisamos desarmar os palanques políticos. Você pode perfeitamente dialogar de forma institucional com a esquerda de Lula mesmo a gente sendo de direita.

A sra. disse que o Exército impediu o GDF de desmobilizar o acampamento em frente ao QG. Acha justa a demissão do general Júlio César Arruda do Comando da Força?
Você tem que confiar na sua equipe. Eu, por exemplo, não tive qualquer dificuldade em trabalhar com a equipe do Ibaneis, porque é do meu grupo político. Se você está trabalhando, precisa ter espírito de colaboração, mas se não confia em alguém… Eu exoneraria também, com toda a tranquilidade.

A preservação do acampamento dos extremistas contribuiu para os atentados?
Não é apenas isso. Houve uma chamada de extremistas para Brasília. Do DF, temos apenas 100 e poucas pessoas presas. O restante veio de fora. Essas pessoas não precisavam de acampamento para fazer o que fizeram. O fato é que o GDF tentou desmobilizar e não conseguiu porque o Exército não deixou.

Ibaneis chegou a receber conselhos para não nomear Anderson Torres. O erro dele foi pagar para ver?
O erro do governador foi de boa-fé. Anderson já havia sido secretário. Ibaneis foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Sabe o que representa o Supremo, sabe o que significa a democracia. Ele errou, por boa-fé, ao acreditar que não aconteceria uma barbárie. O que ninguém jamais imaginou foi o tamanho do problema que estava por vir.

Em depoimento, Torres afirmou ter deixado um plano de segurança tão bem elaborado que “nem se caísse uma bomba em Brasília teria ocorrido o que ocorreu”. Como o GDF encarou a declaração?
Ele vai se defender, né? O antigo 02 da Secretaria, Fernando de Souza Oliveira, foi nomeado por ele e era quem estava em Brasília. Esse 02 deu outra declaração (Souza disse não ter recebido nenhuma diretriz de Torres ou sido apresentado aos comandantes das forças policiais do DF). Não tem como Torres se eximir da responsabilidade quando olhamos para a cadeia de comando. Ele era o secretário. Isso ficará claro no inquérito. Se ele deixou um plano tão bom ficou com quem? Ibaneis tinha muita confiança porque Anderson tinha sido secretário e nunca havia falhado. O governador cuida de inúmeras pastas. Já pensou se for olhar para cada minúcia? Você apenas acompanha. E isso Ibaneis fez. Mandou mensagem para o 02, que disse que estava tudo sob controle.

Torres foi negligente?
Houve um apagão na Segurança Pública. Agora, se foi intencional ou não, apenas o inquérito vai demonstrar.

Qual foi o principal erro de Torres?
O fato de assumir uma Secretaria e logo viajar foi ruim. Não quero falar em omissão deliberada, mas ele vai ter de provar que deixou o plano e agiu para evitar o 8 de janeiro.

Ibaneis Rocha escolheu Anderson Torres para a Secretaria de Segurança ignorando a opinião de Lula. A nomeação de Sandro Avelar ocorreu de forma distinta?
Sim. Chegamos ao nome de Sandro com atenção à educação, ao rito, à checagem sobre eventual mal-estar. Nesse momento, tinhamos de escolher nomes e analisar pré-requisitos. Precisava, por exemplo, ser policial federal, ter trânsito no PT, conhecer o Distrito Federal. São características que dão maior tranquilidade para mim, como governadora, e para a gestão Lula.

Por que o fato de ele ter atuado como número dois da PF na gestão Bolsonaro não foi um empecilho?
Sandro sempre foi muito técnico e, por isso, usualmente é lembrado para cargos de destaque. Foi dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas também da gestão de Agnelo Queiroz, do PT, no DF. O nome de Sandro é consensual. Consultei deputados do PT-DF e o PT nacional.

Ibaneis soube da escolha antes?
Desde o dia do afastamento de Ibaneis do GDF, não dialoguei mais com ele. Fiz duas reuniões com secretários e administradores para que soubessem que não haveria uma muxiba na nossa gestão, até porque é um governo vitorioso, que ganhou a eleição no primeiro turno. Ibaneis me escolheu como vice porque acreditava no meu trabalho. Nesse momento, ele está 100% afastado do GDF, concentrado em comprovar sua inocência em relação aos atos de 8 de janeiro.