Na semana passada, a Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do País, comprou páginas inteiras de jornais para fazer um anúncio. O objetivo era pedir desculpas. “Reconhecemos que erros graves foram cometidos nos últimos anos e, ao contrário de negá-los, estamos assumindo-os publicamente,” diz o texto. Denunciada na Operação Lava Jato por pagar propina na Petrobras, na hidrelétrica de Belo Monte e em obras da Copa do Mundo de 2014, a empresa firmou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal em que se comprometeu a pagar multa de R$ 1 bilhão, dividida em 12 parcelas. No ano passado, executivos da empreiteira, inclusive, o presidente afastado, Otávio Marques de Azevedo, foram detidos, mas assinaram acordos de delação premiada e agora cumprem prisão domiciliar. Ainda feito para cumprir uma exigência do juiz Sérgio Moro, o exercício de autocrítica pode ter efeito exemplar para outras empresas e inaugurar uma nova etapa na relação delas com o poder público e a sociedade.

A admissão do erro e o pedido público de desculpas é fato novo na comunicação corporativa no País. Consultor de crises há 20 anos e autor do livro “A Era do Escândalo”, Mário Rosa afirma que, na cultura brasileira, que é seguida também pelas posições institucionais, a regra é tentar empurrar o problema para debaixo do tapete, tirá-lo do foco, e dar um “jeitinho” de a opinião pública esquecê-lo. “A primeira reação de defesa do manual tradicional é não admitir a responsabilidade, porque isso pode implicar no reconhecimento jurídico da culpa”, diz. “A Lava Jato é tão fora dos padrões que as empresas não têm apenas que reconhecê-la perante as instituições, mas perante a sociedade também. É um divisor de águas.” A ferramenta tem influência de países como Estados Unidos e Alemanha, onde, segundo Rosa, a relação entre público, privado e estatal é diferente. Naqueles países, as empresas (sobretudo, as que têm capital aberto na bolsa de valores) são cobradas como agentes públicos e seus executivos estão sujeitos a atitudes políticas, como a renúncia em casos de erros, gafes e crimes.

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Trechos da “carta-desculpa” da empresa

No ponto em que chegou, para Paulo Roberto Pepe, diretor da Empório da Comunicação, agência especializada em planejamento de comunicação e análise de imagem, a Andrade Gutierrez não tinha outra alternativa. “Estamos diante de uma situação que envolve a maior crise corporativa de imagem de toda história do País,” diz. “A empresa está submetida às determinações de Moro para voltar ao jogo econômico, mas a carta não ajuda na reconstrução da marca.” Isso porque, segundo Pepe, a empreiteira não faz uma relação dos erros cometidos, as propostas apresentadas refletem a visão do juiz e não da empresa, e o cálculo do valor da multa não é exposto. “Ninguém sabe se esse dinheiro é suficiente pra cobrir os danos que foram efetivamente causados,” afirma. No acordo obtido pelo jornal O Estado de São Paulo, 10% da multa será destinado ao custeio das investigações da Lava Jato e o restante indenizará as estatais que foram vítimas dos esquemas de corrupção.

A excepcionalidade da força-tarefa conduzida pelo juiz Moro levou os consultores a repensarem estratégias. Numa crise clássica, a primeira medida deles é reunir tudo o que há contra seus clientes. A Lava Jato, contudo, foi revelando as denúncias aos poucos, minando gradativamente a credibilidade das empresas. Não por acaso, em junho do ano passado, quando a situação era outra, a Andrade Gutierrez publicou um anúncio nos jornais criticando os rumos da operação e contestando a prisão de executivos. Menos de um ano depois, foi obrigada a recuar.

Evitar a declaração de inidoneidade é fundamental para uma empresa do porte da Andrade Gutierrez, que é altamente dependente do setor público. Mais do que isso, se condenadas pela Controladoria-Geral da União, as companhias infratoras perdem acesso ao financiamento de bancos públicos, como o BNDES. “A equação é sutil,” afirma o advogado criminalista Rodrigo Felberg. “É preciso punir a empresa exemplarmente, mas de maneira que ela não quebre. O fim do acordo de leniência é prevenir e reparar danos de interesse coletivo, desde que essas empresas se comprometam a colaborar efetivamente com as investigações e implementar mecanismos internos de integridade, o complicance.” “Antigamente gestão de crise era como sobreviver a um infarto. Agora é como ter uma vida saudável,” diz Mário Rosa. “As empresas vão ter que ficar mais parecidas com o que elas dizem.” Que a leniência da Andrade Gutierrez seja o primeiro passo para isso. Procurada pela ISTOÉ, a empreiteira não quis se pronunciar.

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