O ex-presidente russo Medvedev, de reformista a provocador

Há alguns anos, ele ainda era considerado um reformista liberal dentro do Kremlin. Mas desde o início da ofensiva da Rússia na Ucrânia, o ex-presidente russo Dmitri Medvedev não para de fazer declarações provocadoras, que provocaram a irritação de Donald Trump.

Ninguém sabe se as declarações representam uma expressão da linha dura dentro da elite russa ou um meio indireto de Moscou para desafiar o Ocidente enquanto preserva os canais diplomáticos tradicionais.

Em suas contas no Telegram e na rede social X, o ex-chefe de Estado (2008-2012) e ex-primeiro-ministro (2012-2020) adotou um tom muito agressivo desde o início da ofensiva russa contra a Ucrânia em fevereiro de 2022.

Distante de sua imagem anterior, Medvedev agora utiliza linguagem vulgar para citar o presidente ucraniano Volodimir Zelensky, celebra o suposto declínio dos europeus e menciona com frequência a possibilidade de uma guerra nuclear com o Ocidente.

Suas mensagens geralmente têm pouca repercussão, algo condizente com sua pouca influência na Rússia, onde Medvedev, próximo de completar 60 anos, permanece como vice-presidente do Conselho de Segurança.

Mas suas provocações finalmente irritaram o presidente dos Estados Unidos, que na sexta-feira ordenou o envio de “dois submarinos nucleares nas regiões apropriadas, por precaução, caso estas declarações insensatas e incendiárias sejam mais do que isso”.

Trump explicou aos jornalistas que reagiu desta maneira porque o ex-presidente russo havia ameaçado utilizar armamento nuclear.

Após alguns meses em que parecia mais tranquilo em relação ao presidente republicano, Medvedev mencionou a “mão morta”, uma referência a um sistema automatizado ultrassecreto criado pela União Soviética durante a Guerra Fria para assumir o controle do arsenal nuclear em caso de destruição da cadeia de comando.

Medvedev também é muito crítico aos líderes europeus e acusou Friedrich Merz, antes de se tornar chefe de Governo da Alemanha, de “mentir como (Joseph) Goebbels”, o ministro da Propaganda da Alemanha nazista.

Também celebrou as dificuldades enfrentadas pela “malvada” presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

– Proximidade com Obama –

Nascido em Leningrado (hoje São Petersburgo), como Vladimir Putin, Medvedev, com formação de jurista e considerado um dos líderes da ala “liberal” do ‘putinismo’, fez toda sua carreira à sombra de seu mentor.

Contudo, ele foi marginalizado pela ascensão do clã rival dos “siloviki” (militares e serviços de segurança).

Nos anos 1990, Medvedev ingressou no Comitê de Relações Exteriores da prefeitura de São Petersburgo, então comandado por Putin, que o transferiu para Moscou em 1999.

Em 2000, Putin foi eleito chefe de Estado e nomeou Medvedev como chefe do gabinete da presidência. Cinco anos depois, ele assumiu o cargo de vice-primeiro-ministro.

Em 2008, Medvedev foi eleito presidente – Putin não poderia ter mais de dois mandatos consecutivos. Mas, no que foi então chamado de “permutação”, Putin foi seu primeiro-ministro antes de retomar o posto de chefe de Estado em 2012.

Como presidente, Medvedev foi próximo de seu então homólogo americano Barack Obama e, em 2010, expressou a vontade de retomar a relação com os Estados Unidos.

Fã do grupo americano Linkin Park, ele tinha na época uma imagem de modernidade e chegou a visitar o Vale do Silício, onde recebeu um iPhone das mãos de Steve Jobs, o fundador da Apple, e abriu uma conta no Twitter (agora X) na sede da empresa.

Na política internacional, a aproximação com Washington se traduziu na abstenção da Rússia (ao invés do veto) em uma votação em 2011 de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia.

A decisão, que permitiu à Otan iniciar a intervenção militar que levou à derrubada de Muammar Kadhafi, não agradou Vladimir Putin.

Em 2012, Medvedev virou primeiro-ministro após o retorno de Putin ao Kremlin e, pouco a pouco, foi perdendo protagonismo. Em 2020, ele foi destituído e, desde então, só tem voz com suas mensagens provocadoras.

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