Veio a público na semana passada o depoimento prestado por Sergio Moro à Polícia Federal, em Curitiba, em função do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do ministro Celso de Mello, visando a apurar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de imoralidade e impessoalidade, previstos na Constituição do País. O ex-ministro falou como ex-juiz. Moro confirmou à PF tudo aquilo que já dissera no pronunciamento feito quando deixou o cargo, ou seja, reiterou a insistência de Jair Bolsonaro, junto a ele, para que fossem substituídos o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e o superintendente do Rio de Janeiro. Há uma frase lapidar que o ex-magistrado citou, partida do presidente: “Moro, você tem vinte e sete superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Ela diz muito, e, assim, Moro quebrou a acusação de Bolsonaro que o chamara de mentiroso após a sua saída do ministério – até porque somente um louco, se tivesse mentido anteriormente, voltaria a mentir aos procuradores e à PF. E o maluco dessa história não é ele.

Quando indagado em seu depoimento se reconhecia no comportamento de Jair Bolsonaro o cometimento de crimes, o ex-magistrado respondeu imediatamente “que quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito”. Disse também que “entende que essa avaliação quanto à prática criminosa cabe às instituições competentes”. Com tal resposta, Moro desacorçoou a torcida no Planalto, que fazia figa para que ele afirmasse o contrário e acabasse se autoincriminando por prevaricação (se sabia de crimes, por que não os denunciou enquanto ainda era ministro?). Ao remeter a conclusão dessa questão a “instituições competentes”, Moro sinalizou, no entanto, que não possui provas materiais daquilo que até as paredes do Palácio do Planalto sabem: o presidente insistia em colocar na PF pessoas ligadas a ele para barrar investigações contra deputados bolsonaristas e seus filhos. “Por que Jair Bolsonaro queria substituir Maurício Valeixo por Alexandre Ramagem?”. Moro foi seco: “peguntem ao presidente”. O ex-ministro tinha conhecimento que Ramagem compõe as relações pessoais do mandatário. Chegou a explicar-lhe que “tal nomeação desgastaria a instituição e o governo”, mas de nada adiantou.

Testemunhas militares

É natural que aqueles que aguardavam pela exposição de provas de materialidade de eventuais atos criminosos por parte de Bolsonaro considerem que o depoimento de Sergio Moro não tenha conseguido abalar o governo. Trata-se de um engano. Ainda que não tenha sido jogada uma bomba atômica sobre o Planalto, o ex-ministro e ex-juiz foi habilidoso o suficiente para envolver o governo no inquérito: declarou que, em uma das reuniões onde se viu coagido a trocar a chefia da PF, estavam presentes os ministros Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Walter Braga Netto, da Casa Civil. Celso de Mello não perdeu tempo, como de fato não era para perder perante a gravidade de tudo o que está sendo apurado: na quarta-feira 6 ele já estabelecia o prazo de setenta e duas horas para que os três militares da reserva prestem depoimentos como testemunhas – ou seja, terão de falar a mais pura verdade para não caírem no crime de perjúrio. E requisitou o vídeo da reunião.

Há ainda outro fato relevante relatado por Moro à PF que provoca estrago no campo bolsonarista e pode desnudar uma suposta “quebra da impessoalidade” por parte do presidente. Durante uma viagem ao exterior, acompanhado de Valeixo, Moro afirmou ter recebido a seguinte mensagem de Bolsonaro — e, aqui, voltamos à tal frase lapidar já citada acima: “Moro, você tem vinte e sete superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Pois bem, é no Rio de Janeiro que Carlos Bolsonaro é vereador e é lá que Flávio Bolsonaro teria cometido o crime de “rachadinha” quando exercia mandato de deputado estadual. O ex-juiz, sabe-se agora, não transformou o Planalto em terra arrasada. Mas foi estratégico ao fazer com que Bolsonaro ainda tenha muita dor de cabeça no STF.

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