“Não acredito na existência de Deus. Acho que temos forças, mas não uma figura onipresente” Antonio Tomás Ribeiro, 18 anos (Crédito:Thiago Bernardes)

É cada vez mais definitivo o afastamento dos jovens da religião. Seja ela católica, evangélica, protestante, islâmica, budista, umbandista, espírita e tantas outras. Entre as principais reclamações desse grupo estão a falta de credibilidade nas instituições, o apego aos pensamentos tradicionais e conservadores com a pregação de preconceitos que não são aceitos mais na atualidade, o desencontro dos valores e morais, e a sensação de não fazer parte de uma ou outra igreja. O estudante Luís Fernando Geraldi, 18 anos, é um desses jovens que amadureceu rodeado de religião. A avó é “católica, apostólica, romana”, bem tradicional, o pai é evangélico, a maioria de seus tios são pastores, e sua mãe é espírita. Ele foi batizado, fez catequese, crisma e era cerimoniário na pastoral do bairro. Aos 14 anos decidiu que aquilo não fazia parte dele. “Sou cristão, acredito em Deus, mas a minha religiosidade sou eu, não está em uma igreja”, explica. Nando, como gosta de ser chamado, afirma que seus pais aceitaram com tranquilidade sua escolha, o problema maior foi com a avó. “Era como se eu fosse um herege e estava difamando Jesus de todas as formas. O padre, que é meu amigo, aceitou melhor do que ela”, diz aos risos.

OPRESSÃO Sheila e Enzo: o casal não segue uma religião por não concordar com os antigos padrões e dogmas das instituições (Crédito:GABRIEL REIS)

Os jovens “sem religião” já são a maioria nos principais polos econômicos e populacionais do País, e ultrapassaram os púberes católicos e evangélicos. Segundo as primeiras pesquisas Datafolha do ciclo eleitoral de 2022, no Rio de Janeiro, a população de 16 a 24 anos sem religião chega a 34%, acima dos evangélicos (32%) e católicos (17%). Em São Paulo, o cenário é um pouco parecido. Os sem religião alcançam os 30% dos entrevistados, superando os evangélicos (27%) e os católicos (24%). Em âmbito nacional, 49% dos entrevistados se dizem católicos, 26% evangélicos e 14% sem religião – o número já impressiona, pois é maior do que os 8% identificados no último censo, em 2010. Esse percentual vem crescendo década após década: os sem religião eram 0,5% da população brasileira em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991 e 7,3% em 2000.

“Não acredito em nenhuma religião pelo simples fato de ser algo criado pelo homem como forma de manipular outros homens”, afirma o estudante Enzo Marane, 20 anos. Ele e a namorada, Sheila Baccaglini, 22, acreditam em uma força superior diferente. Para ela, Deus é a fé presente nas pessoas, e para ele, seria uma força que tem poderes sobre o universo. O principal motivo para os dois se afastarem totalmente das devoções é o retrocesso temporal que as instituições insistem em manter. “Elas impõem que façamos coisas de uma forma que eu não simpatizo. Se você não usar saia e cabelo comprido, como em algumas igrejas evangélicas, você está fora dos padrões, engravidar antes do casamento é considerado um pecado. Eu não me encaixo por não acreditar fielmente e nem seguir esses padrões”, diz Sheila.

Isabella Leoni, 17, é uma das poucas da classe dela que não tem religião. Ela inclusive já frequentou a católica, umbanda e a espírita por influência de amigas, mas afirma que não se sentiu confortável em nenhuma delas. “A que eu cheguei mais próximo de ir foi a umbanda, mas minha avó, que é evangélica, jogaria todas as velas que ela acende para mim na minha cabeça”, diz. As duas, por não terem as mesmas opiniões, principalmente em religião e política, trocam conversas calorosas. “Eu tomo cuidado para não falar sobre o assunto em casa para não machucá-la de alguma forma”, explica.

AMARRAS Isabella Leoni: a jovem omite opiniões sobre religião em sua casa para não aborrecer a avó evangélica (Crédito:GABRIEL REIS)

Uma minoria ainda dos jovens sem religião são ateus (os que não acreditam na existência de Deus) ou agnósticos (os que avaliam que não é possível afirmar a existência do Divino). No Censo de 2010, por exemplo, dos 15,3 milhões de brasileiros que se diziam sem religião, apenas 615 mil (4%) se consideravam ateus e 124 mil se afirmavam agnósticos (0,8%). Antonio Tomás Ribeiro, 18, faz parte do grupo que avalia não ser possível provar a existência de Deus. “Eu não nego a vivência de algo que a gente não conhece. Não acredito na ótica apresentada pelas religiões de que há um Deus. Acho que temos forças e conspirações no universo, mas não uma figura onipotente”, diz.

Um outro forte motivo que explica esse maior desprendimento dos jovens em relação à religião é a era da modernidade líquida, onde a principal marca são as relações frouxas, flexíveis, sem um vínculo profundo com algo. “Eles podem consumir uma música evangélica, comprar um terço católico, usar um incenso budista. Eles não têm uma religião oficial, mas podem ter sua religiosidade particular”, explica Gerson Leite de Moraes, teólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Num mundo onde se busca liberdade de pensamento, os jovens querem mais é viver longe de amarras, opressões e definições.