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Quem nunca pensou em achar um bilhete dourado para visitar a “Fantástica Fábrica de Chocolate”, ou ser sugado por um cano gigante recheado da guloseima ao assistir o filme de Tim Burton em 2005? O DJ Pedro Sampaio, 24, não só pensou na possibilidade como criou a sua própria fábrica de chocolate no clipe de “Atenção”, um de seus sucessos musicais. A ideia surgiu enquanto estava enclausurado em sua casa durante a pandemia assistindo a produção junto com a irmã. Na música, o cantor se transforma em Willy Wonka. “Eu adoro brincar com o lúdico das pessoas. Entre meus fãs estão muitas crianças, apesar do meu público majoritário ser de adolescentes e jovens adultos. Mas esse retorno à infância mexe com o gosto de todas as pessoas e idades”, explica Pedro, que, em fevereiro, lançou seu primeiro álbum cujo cenário é uma ilha mágica cheia de elementos surrealistas — como um cavalo branco voador, e um abacaxi falante. “São nessas horas de criação que coloco para fora meu lado infantil. Sempre tento preservar essa inocência de criança, mas sem esquecer do meu público mais adulto que vê nesses elementos algo nostálgico”, diz.

A estética de resgatar a infância dos anos 1990 e 2000 propondo um visual ultracolorido, excêntrico e muito extravagante tem nome: kidcore. A tendência que ganhou fôlego em 2020, principalmente após o início da pandemia, tem feito com que jovens e adultos usem peças de roupas e acessórios que remetam ao lúdico e relembrem a infância. Ou seja, é cada vez mais comum encontrar vestimentas de desenhos infantis como Piu-Piu, ou com objetos e animais, como ursinhos, flores coloridas e corações. Além de inúmeros acessórios como brincos de cubo mágico, braceletes, colares feito de miçangas e anéis de crochê enfeitados de morango.

“Eu sou o ponto de referência. Sou aquela coloridona, criançona na rua, sim, e adoro isso” Mariana Cid, publicitária (Crédito:Leo Caldas)

A moda faz sucesso entre a geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), que acham esse retorno à infância algo vintage, e a geração Millennials (nascidos entre 1980 e 1994), que têm uma sensação nostálgica com essa volta ao passado. A publicitária Mariana Cid, 29 anos, foi uma das millennials que caiu nas graças do kidcore. Se definindo como uma “gorda coloridona”, ela afirma que começou a se interessar pela moda e com o que vestir durante a pandemia, pois cansou de ter que usar roupas pretas, com mangas que não refletiam a sua personalidade. “Nós passamos por anos muito complicados tanto de saúde física, como mental e financeira, então ter algo no que se agarrar, se sentir confortável, aconchegante e ao mesmo tempo abraçar sua criança interior, é muito bom”, diz. Mariana explica que no dia a dia tenta mesclar roupas mais adultas como um blazer, ou algo de alfaiataria, mas sem largar cores fortes e extravagantes. “Sou o ponto de referência. Sou aquela criançona na rua, sim, e adoro isso”, brinca.

“Sempre gostamos de coisas diferentes, mas as pessoas diziam que nunca usariam nossos produtos” Camila e Ana Laura Prado, estudantes (Crédito:Hugo Matos)

As irmãs mineiras Camila Prado, 30, e Ana Laura Prado, 23, viram na tendência um jeito de ganhar um dinheiro extra. As duas, que desde pequenas, já faziam colares de miçanga, decidiram surfar na onda infantil e começaram a fazer bijuterias diferentonas com alusões a filmes, desenhos e séries que assistiam quando eram menores. Ambas são proprietárias da Bubble, uma das primeiras lojas virtuais do segmento, que conta com mais de 60 mil seguidores nas redes sociais. Entre seus produtos mais vendidos estão brincos de lâmpadas que acendem a luz, brincos de cubo mágico que se mexem e os tradicionais colares de miçanga. “Foi uma surpresa a aceitação do público porque nós sempre gostamos de coisas diferentes, mas as pessoas, inclusive nossa família, deixavam claro que nunca usariam nossos produtos”, afirmam. Mas, pelo jeito, isso mudou.

Há quem afirme que a tendência é resultado direto da pandemia, pois com a quarentena, muitas pessoas se refugiaram em imagens da infância. “A fantasia e a regressão estão presentes na moda kidcore. O individuo protagoniza uma história diferente daquela que vive na realidade e ainda retorna a uma fase em que era mais protegido e menos responsável. Eles querem dar cor a esse mundo cheio de angústias e incertezas”, afirma a psicóloga e professora da Universidade Mackenzie, Marineide Aranha Neto. Sempre é bom dar uma de “Alice No País das Maravilhas” e escapar de uma realidade aterrorizante por meio de um cenário colorido, feliz e lúdico.