Quando passava pelo primeiro trimestre de gravidez, Imaiara da Rocha Menezes, de 26 anos, percebeu pintas vermelhas em seu antebraço. Como logo sumiram, pensou que se tratava de uma alergia. Fez o teste para detectar zika, mas o resultado não saiu durante a gestação. Na 31ª semana de gravidez, durante uma ultrassonografia, Imaiara foi avisada de que o tamanho cérebro de Bernardo estava menor do que o normal.

Os médicos pediram ao laboratório que lhes enviassem o resultado. Viram que dera positivo para zika. Hoje, Bernardo tem quatro meses e está saudável. Eles moram na Taquara, em Jacarepaguá, bairro da zona oeste do Rio – cidade em que os casos de microcefalia mais crescem no País.

“Quando soube que ele tinha microcefalia, foi uma surpresa. O exame para zika ainda demora muito e conheço mães na mesma situação, que só souberam que os filhos tinham microcefalia quando nasceram. Foi também uma tristeza porque a gente sempre imagina que vai ter filho perfeito. Mas não é o fim do mundo, é respirar fundo e pedir força. Acho que Deus me escolheu para ser mãe de um bebê especial porque eu sou especial”, disse.

Imaiara cuida de Bernardo em tempo integral, junto com o marido. Tem outra filha, Beatriz, de sete anos. Na última sexta-feira, a mãe e o bebê foram para a terceira consulta no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Centro do Rio, para fazer exames.

Bernardo permaneceu tranquilo durante toda a cansativa visita. Não chorou ao ser manipulado pelos médicos e até riu, como quando foi colocado de bruços para abrir os braços. O exercício é recomendado para bebês com microcefalia, que tendem a ficar encolhidos. Depois da consulta, chegou a cochilar no colo da enfermeira.

Mas a rotina é cansativa, segundo Imaiara. Além disso, os médicos não lhe dão certezas durante as consultas. “A microcefalia não é nova, mas a zika sim, e cada bebê tem um diagnóstico diferente. Por ser uma coisa nova, o Estado não está preparado ainda. Ficamos meio perdidos. E não são todas as crianças que têm lugares de reabilitação perto”, disse.

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A mãe conta que Bernardo vive uma vida normal. Dorme bem, mama no peito e é “brincalhão”. “Ele tem muita personalidade. Ri muito. O Bernardo é meio engraçado. Além de ser muito observador. Gosta muito de brincar de pular, é participativo e a hora que está com a irmã é a que mais ri. A gente acha que ele realmente está entendendo o que está acontecendo. Conversamos e ele meio que responde com um sorriso, um som. Ele sabe da necessidade dele”, afirma.

Apesar das vitórias, Imaiara não gosta de pensar no futuro do filho. Para ela, cada dia é uma vitória. “Penso no presente porque o que acontecer agora vai refletir mais na frente. Com ele, cada dia é um milagre diferente. Mas tenho no meu coração que ele tem um futuro brilhante, independente da necessidade dele”, afirma, dizendo que seu conselho para as mães nessa situação é que façam todos os tratamentos possíveis. “As crianças hoje andam, falam. Microcefalia não é o fim, é só o começo.”

Bernardo é tratado pela pediatra Fernanda Fialho, que comanda o ambulatório que cuida de crianças com microcefalia no Instituto Estadual do Cérebro. Criado em março, por causa do surto de zika, o ambulatório já atendeu 170 bebês com a doença. No local, há fisioterapeutas, otorrinolaringologistas, neurologistas, assistentes sociais, fonoaudiólogos, psicólogos e pediatras focados nesses casos.

Durante as consultas, as mães são orientadas sobre como tratar os filhos especiais até na maneira de segurar no colo (sempre com o bebê virado de frente, para ser estimulado com o ambiente). Também são feitas intervenções cirúrgicas, como a colocação de válvulas no cérebro para conter a hidrocefalia.

Segundo a pediatra, as mães devem procurar a assistência quando o bebê tem de dois a três meses. O período é o ideal para a estimulação precoce porque os sintomas já se manifestaram. Parte do sistema motor e cognitivo das crianças se forma ao longo do primeiro ano de vida.

“Um bebê com microcefalia de zika congênita significa que o cérebro não se desenvolveu completamente como deveria. Quando orientamos a estimulação precoce é para que o cérebro se desenvolva da melhor capacidade possível. Se estimular a criança, mesmo muito doente, no início da vida, podemos desenvolvê-la a ponto de ter uma vida o mais próximo do normal”, afirma.

De acordo com a pediatra, outra vantagem do ambulatório é que as mães, geralmente assustadas com o diagnóstico, podem conviver com as outras que passam pela mesma situação. “Elas compartilham informações, participam de terapias de grupo e entendem que não é um problema de uma mãe só. Elas saem mais seguras”, disse.

Apesar da escala crescente de bebês com microcefalia que aparecem na unidade, Fernanda afirma que ainda não dá para relacionar o número com o surto da zika, já que os bebês do período de verão ainda estão nascendo. “O número de zika caiu, mas ainda atendemos crianças de dois a três meses, que nasceram em setembro, por exemplo. Essa mãe estava grávida quando a epidemia ainda era uma realidade”, disse.

Fernanda também atendeu Ingrid dos Santos Jacó, de 21 anos, mãe de Anderson Taylor, de cinco meses. A mulher afirma que não sabe o que levou o filho a nascer com microcefalia, pois não sentiu sintomas da zika durante a gravidez.

Ingrid diz que “descobriu a doença quando o menino nasceu”. “Senti muita tristeza, mas fui forte. Tenho ajuda da minha mãe e procuro dar muito amor e carinho para ele, estimulá-lo”, afirma a mãe de primeira viagem.

Ela enfrenta rotineiras viagens do município de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, até o Centro do Rio para que Anderson faça os exames necessários no instituto. Além da microcefalia, o filho também tem hidrocefalia.


“É uma viagem muito cansativa, longa. Mas onde eu moro ainda não tem local adequado para o tratamento da microcefalia”, afirma.

Questionada sobre o cenário da cidade, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio afirmou que desconhece os dados colhidos pelo Estado, por isso não poderia comentá-los. Já a Secretaria Estadual de Saúde do Rio afirmou que não é possível dizer que todos os casos notificados no Estado tenham ligação com o vírus da zika. “Para definir a origem da má-formação, todos os casos notificados são investigados”, afirmou, por nota.

A secretaria informou ainda que, desde o início do monitoramento, até 29 de outubro, 145 casos de microcefalia associados a infecções congênitas foram confirmados por critérios clínico-radiológicos no Estado. Outros 387 casos de microcefalia notificados estão em investigação para definição das causas e 264 casos foram descartados, seguindo os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde.


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