Brothers há quase três décadas, Seu Jorge e Rogê celebram no disco  “Night Dreamer Direct-to-Disc”, gravado na Holanda, dentro do Artone Studios, a parceria, a amizade e a mais profunda homenagem à brasilidade. Com as percussões de Peu Meurray e Pretinho da Serrinha, únicos músicos arregimentados para a gravação, os cantores mostram a força e poder da música popular brasileira.

Na última terça-feira, 28, eles  foram os convidados de live da IstoÉ Gente. Na conversa com o jornalista Rafael Ferreira, os músicos, Rogê, falando de Los Angeles, e Seu Jorge, de São Paulo, reforçaram os fraternos laços musicais com o Brasil. “Somos os novos californianos”, disseram.

Na verdade, a brincadeira dos dois músicos refere-se ao Estado, nos EUA, que os dois vivem. Em janeiro de 2013, Seu Jorge decidiu mudar-se junto com sua família para o país com o intuito de se dedicar mais à carreira de ator. Anos depois, ele convenceu Rogê a viver lá. Na live, eles falam sobre a produção do disco, gravado numa tacada no modo direct-to-disc, adotado pelo selo Night Dreamer.

Nesse processo de gravação, conta Seu Jorge, os áudios são cortados ao vivo no acetato, sem pausas, pós-produção ou overdubs. “É um disco sem maquiagem”, afirma Jorge, que explica: As gravações são transportadas diretamente para a fábrica de vinil, situada no andar debaixo do estúdio para ser galvanizada e gerar o LP. “É muito excitante. É como se voltasse na máquina do tempo. Qualquer erro, tem que se gravar tudo de novo do zero”. Para Rogê, o disco, neste modelo de produção, “é como uma fotografia sem retoques”. Seu Jorge conclui: “não tem pó de arroz, não tem lápis de olho.”

Sobre a parceria com Rogê, Seu Jorge diz: “Fizemos muitas coisas juntos, como Músicas Para Churrasco e tantos outros. Daí, pintou essa oportunidade de fazer esse projeto rápido, super relâmpago, na Holanda, um convite fabuloso. Foi emocionante todo o processo de registro, sendo feito na hora. Não ia perder essa oportunidade.” Quando perguntado sobre o porquê de morar no exterior, Seu Jorge avalia que a música precisa realmente expandir e isso lhe motiva. As pessoas no exterior, segundo ele, demonstram todo respeito e amor para música brasileira e carinho e admiração pelos autores, pelas obras construídas.

Rogê está na estrada desde 1998, fez muito sucesso na bela boemia do bairro da Lapa, na capital carioca, e se firmou como mais reconhecido nas parcerias com o sambista Arlindo Cruz. Em 2017, o álbum “Na Veia”, deles, foi indicado ao Grammy Latino, na categoria Melhor Álbum de Samba/Pagode.

Seu Jorge começou a trabalhar com dez anos de idade em uma borracharia, foi contínuo, marceneiro e descascador de batatas em um bar, serviu ao Exército e vagou pelas sarjetas cariocas como sem-teto  até conseguir se encaixar na carreira musical na banda Farofa Carioca. Resiliente, ele trilhou a carreira solo de músico de muito sucesso. Além da cena musical, Seu Jorge  também é um sucesso no cinema, com participação em dezenas filmes. Na conversa, ele fala sobre a participação no filme “Marighella”, dirigido por Wagner Moura.

Seu Jorge diz que o filme foi um trabalho incrível. “Uma dimensão muito grande, trabalho duro, porque não é uma história sutil, delicada. O personagem é muito grande, muito forte da nossa história e do imaginário do povo brasileiro. Infelizmente, o filme tava marcado para a sua estreia e foi adiado. Meu diretor também não é qualquer um. É uma pessoa muito forte, muito séria e muito sabida. Wagner foi o melhor diretor com quem trabalhei. Ele foi meu técnico, meu mestre e vai continuar sendo o resto da vida”, admite.  “Lamento muito que esse filme ainda não tenha passado no Brasil, mas é uma questão de tempo”, acredita.

“O brasileiro não se suicida porque ele luta para sobreviver. Ele não renuncia a vida. Não desiste nunca. A música brasileira é a música do futuro, uma mistura de harmonias, uma pluralidade, muitos gêneros de música que é muito excitante para as pessoas. Por isso, eu acho que a gente também precisa sair daqui e mostrar quem somos e defender essa ideia de que nosso povo, além de ser muito lindo, é plural e diverso”, diz Seu Jorge.

Sem ufanismo, os cantores falam do País de uma forma empolgante. “No mundo, o Brasil não tem rejeição porque as pessoas veem que é só alegria.” Ao comentar a música do LP, “O meu Brasil”, eles concordam que a faixa é uma exaltação ao Brasil. Nós desejamos que nosso País seja mais justo. Está chegando uma nova geração que precisa encontrar um País mais sólido e com mais presença no mundo, com mais confiança.”

“Precisamos ser progressistas no Brasil e estimular o jovem essa ideia de progresso e essa ideia de um Brasil melhor, mais humanitário, justo e acolhedor”, avalia Seu Jorge, que continua: “a função da música é levar esse estímulo para o público, sobretudo para nova geração, que o Brasil é um país maravilhoso. Vou morrer aqui e lutar pelo meu povo, pelo meu país.”

Na live, Seu Jorge analisa o cenário da violência policial e do racismo no país.” O Estado hoje é uma máquina para atacar seu próprio povo. A coisa que mais me preocupa é o extermínio da juventude negra brasileira, um genocídio contra a população negra. Minha sensação é que não existe uma comoção, ainda mais contundente, porque nós não nos vemos como negros, mas como povo brasileiro. Diferente do que aconteceu no caso do George Floyd, nos EUA. Lá, a comunidade negra americana automaticamente se levantou. Parece alguma força que a gente não sabe qual é. Essa discussão deixa de ser uma discussão racial, para ser humanitária. Estão tentando criar, ao menos no Estados Unidos, um distúrbio de raças, um conflito, que pode até vir da guerra civil.”

“Nos Estados Unidos, a vida não faz mais sentido para ninguém. É tudo produção e consumo. O beijo é para vender. O abraço é para vender. Uma vida sem fazer muito sentido. É necessário a gente ter uma sociedade mais organizada. No Brasil, parece que ser negro agora é uma questão de escolha, não mais uma questão de cor de pele”. disse Seu Jorge sobre as declarações do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que chamou o Movimento Negro de “escória maldita” formada por “vagabundos.”

“Ele escolheu não ser mais negro. Qualquer outra pessoa pode escolher e não necessariamente ter a cor da pele. Nós, negros, estamos morrendo igual moscas pelas mãos da polícia. É a polícia do mal, que mata, sobretudo, a juventude negra. Vivemos uma faxina étnica. É assim que vejo o Brasil hoje”, conclui.