Estão em disputa nesse momento entre o Estado italiano e os remanescentes da nobreza mais de seis mil diamantes e duas mil pérolas montadas em broches e colares usados por diversos membros da monarquia. As joias foram utilizadas até o dia 5 de junho de 1946, apenas três dias após os cidadãos votarem pela abolição do sistema e só nove dias depois que o rei Umberto II, governante relâmpago, que ficou 34 dias no poder, foi mandado ao exílio juntamente com seus sucessores homens. Logo em seguida à demolição da realeza, as preciosidades foram as únicas propriedades da coroa não confiscadas pelo “povo” que sobraram e, agora em litígio, movimenta a Justiça e a imaginação daqueles que eram súditos. A história do trânsito das joias começou ainda com Umberto II no comando. O soberano ordenou que Flacone Lucífero, ministro da Casa Real de Savoia, levasse os tesouros para o governador do Banco da Itália, Luigi Einaudi. Pois bem, no cofre em que a riqueza era guardada havia um bilhete deixado pelo rei, dizendo “que as preciosas joias da coroa devem ser confinadas a custódia do caixa central e mantidas a disposição de quem tem direito”. O recado impresso na mensagem está sendo usado judicialmente pelos herdeiros de Umberto II, seu filho, Vittorio Emanuele di Savoia, e suas três filhas, Maria Gabriella, Maria Pia e Maria Beatrice, na esperança de recuperar o bem.

BRILHO Uma tiara de diamantes
é um dos objetos em disputa: valor incalculável retido no Banco da Itália (Crédito:Divulgação)

Ocorre, porém, que as negociações iniciais não foram bem sucedidas para a família real. O primeiro encontro entre os descendentes da realeza e o Banco da Itália fracassou. A instituição financeira menosprezou a solicitação. “Esse caso demorará anos para ser concluído e vai passar por diversos tribunais”, afirma Paulo Borba Casella, professor titular de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP. O especialista explica que o recado escrito em papel comum e utilizado no processo terá pouca importância porque seria necessário que a legislação daquele período acolhesse tal documento. Além disso, o Tribunal pode entender que o Estado é o sucessor natural e, portanto, seriam considerados bens pertencentes à nação, mesmo havendo um parentesco de sangue em jogo. “A dissolução da monarquia foi traumática para a Itália e esse fato pode ser levado em consideração durante o processo”, diz.

O valor das joias é inestimável e ainda não existe um número certo comprovado. Mas as estimativas vão de 300 milhões a 500 milhões de euros. A dúvida que persiste no ar a respeito desse caso é porque a família real só agora manifestou interesse em reaver as gemas? A resposta: o patrimônio deveria ter ficado permanentemente em exposição aos súditos, mas não foi o que aconteceu. Vittorio di Savoia chegou a declarar que entendia que os valiosos objetos não pertencem mais a família, e, por isso, pretendia colocá-las em exibição pública permanentemente. Não é o caso, mas além do valor simbólico, joias reais podem resolver problemas financeiros como um passe de mágica. Fazendo uma breve comparação, o banimento da família real no Brasil, que também foi tenso, proporcionou algum ganho advindo de “sobras” de ouro e prata real. Conta-se que após a morte de sua esposa, Teresa Cristina, Dom Pedro II, em Paris, na França, comercializou um baú de madeira de médio porte da ex-imperatriz repleto de relíquias, o que lhe rendeu um pouco de conforto no final da vida. Parte dessas preciosidades está guardada no museu Ernest Cognacq, mas sua visualização é de difícil acesso. Já Umberto II não teve a mesma sorte, exilou-se em Portugal sem dificuldades financeiras, porém, sem as joias. Ambos os monarcas nunca mais pisaram em sua terra natal.