Todo grupo de WhatsApp é mais ou menos assim: Às sete da manhã tia Luli manda uma flor e uma oração de bom dia.

Tia Mafe acha lindo e manda um emoji de coração com laços rosa.

Segue a manhã com um comentário daqui e uma novidade dali.

Uma piada de tiozão.

Finalmente, alguém fala de política.

Se o voto do grupo já está decidido o assunto rende pouco e em pouco tempo estão de volta às fofocas de rotina.

Mas se o grupo ainda não decidiu o voto, aí a coisa pega, muitas vezes beirando a agressão digital.

Discussões acaloradas dessas que, no passado, apenas ocorriam na ceia de Natal, agora acontecem diariamente, testando a capacidade de superar crises da família brasileira.

Por algumas horas, o assunto principal são os prós e contras de cada candidato.

Até que a discussão atinge o ápice e o tio Matheus, do interior de Minas, sai do grupo.

É o sinal de que a discussão foi longe demais e é preciso que alguém dê um basta:

[18:43 Vó Laura]: Gente, vamos mudar de assunto. É como eu sempre digo. Religião, futebol e política não se discute!

Todos concordam até que, no dia seguinte, primo Henrique, jovem e politizado, traz de volta o tema para a discussão.

E o processo se repete.

O grupo da família é somente um exemplo desse fenômeno que ocorreu ao longo de todo ano nos grupos da turma do futebol, da escola, do escritório e por aí vai.

WhatsApp é o novo bar da esquina da política e, apesar de ser criticado como o principal vetor de distribuição das fake news e de terminar amizades cultivadas ao longo de anos, é exatamente aí que boa parte dos votos são decididos.

Um processo de depuração natural onde através de discussões saudáveis ou insalubres, de diálogos democráticos ou não, cada um escolhe seu candidato e descobre quem, no seu grupo, se revela diferente do que é no mundo real.

O grupo da família funciona igual às outras turmas do futebol, da escola ou do escritório. Trata-se do novo bar da esquina, aonde a política é debatida e o voto decidido

Faltando poucas horas para a eleição, o assunto já não causa alvoroço, pois quase todos já decidiram em quem votar.

Tia Mafe, tia Júlia, tio Victor, tia Duda, tia Luíza, tio Pipo, tia Carol e Henrique vão votar no Lula. Primeiro e segundo turno.

Tia Luciana vai de Soraya, porque é feminista de alma. Tio Arap e Passos, casado com a tia Luíza, sempre foram Ciro. Vão votar nele no primeiro e segundo turno, porque as pesquisas mentem. Vó Laura (que continua votando mesmo aos 87 anos!), tia Luli, dinda Tati, vão votar em Simone Tebet, porque no primeiro turno o que vale é a consciência. No segundo turno vão de Lula ou branco. Tio Matheus, que voltou ao grupo por insistência da família, vai votar no D’Avila.

Em Bolsonaro, diferente das pesquisas, ninguém vota. Ou melhor, quase ninguém.

Porque em todo grupo orgulhoso do resultado de meses de discussão, para toda família convencida que herdou um DNA harmonioso e democrático, tem sempre um tio bolsonarista. E tio Vini passou o ano todo fazendo comentários curtos:

[16:28 Tio Vini]: Anotem aí. Bolsonaro leva no primeiro turno.

No começo, esses comentários suscitavam respostas passionais dos familiares menos equilibrados. Alguns até criaram um grupo paralelo, apenas para meter o pau no tio Vini que, quem diria, sempre foi tão bonzinho.

Mas com o tempo e como tio Vini nunca responde, todos perceberam se tratar apenas de provocação.

No domingo, todos os votos do grupo são conhecidos.

Menos o do tio Vini. Ninguém sabe se ele realmente votará no Bolsonaro, mas uma coisa já é certa e decidida tacitamente pelo grupo.

Se Bolsonaro ganhar, tio Vini será expulso do grupo.

Porque essa família é democrática, mas não tem lugar para espírito de porco.