O RIO DO SAMBA: RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO/Museu de Arte do Rio (MAR), RJ/até 30/03/2019

O Museu de Arte do Rio surgiu em um momento de convulsão urbana e social. Em 2013, com a região central do Rio convertida em canteiro de obras para capacitar a cidade a receber os Jogos Olímpicos, falava-se que reforma tão grande só teria sido vista cem anos atrás, quando o prefeito Pereira Passos demoliu o Morro do Castelo para abrir a avenida Rio Branco, entre outras peripécias. Entre a poeira e o bate-estacas da demolição da Perimetral, da construção do polêmico Museu do Amanhã e da descuidada remoção de moradores dos morros da região portuária, surgiram o MAR e a Escola do Olhar, que imediatamente se firmaram como exceção ao desregramento do cenário das políticas públicas.

Com um projeto institucional capitaneado pelo então diretor artístico Paulo Herkenhoff, o MAR desenvolveu atividades de coleta, registro, preservação e devolução à comunidade de uma categoria de bens e patrimônios culturais até então desprezados por programas museológicos. Em diálogo com seu entorno — a Praça Mauá e a chamada “Pequena África”, região que se estende da Pedra do Sal, no Morro da Conceição, ao Morro da Providência, o Morro do Pinto, a Praça dos Estivadores, a Praça Onze, até o Estácio — o MAR deu visibilidades às histórias do Valongo e voltou-se para contextos extremos do território brasileiro, como o Amazonas e o Pará.

Hoje, essa trajetória de excelência é coroada com “O Rio do Samba: Resistência e Reinvenção”. Com curadoria de Evandro Salles, atual diretor artístico do MAR, Clarissa Diniz, Marcelo Campos e o pesquisador Nei Lopes, a mostra reúne cerca de 800 itens, entre obras de arte e documentos. Os materiais de comunicação da mostra sinalizam que ela está dividida em três segmentos, que atravessam momentos-chave do samba: da herança africana e a marginalização dos sambistas até o resgate da importância do ritmo e sua alçada à condição de patrimônio cultural. Esse “crescendo’ da marginalidade à reafricanização tem um caráter de reconstrução de uma história até aqui muito mal contada, e vocação para funcionar bem no catálogo, previsto para ser lançado em fevereiro de 2019 (livro que faria excelente trabalho se adotado como peça didática do ensino formal no Brasil). Mas, na prática, no espaço expositivo, são outros quinhentos. Se o samba nasceu do encontro cultural e social entre mundos muitos distintos, é natural que suas fases, suas passagens e seus personagens se amalgamem e se confundam. Essa mistura, muito condizente com o “espirito das ruas” evocado na literatura de João do Rio, é o espírito que prepondera no terceiro andar do MAR, onde a exposição ficará montada até março de 2019.

ARTISTA DO MORRO Tia Lúcia, pintora e escultora residente do Morro do Pinto, homenageada

É nesse espírito da mistura que voltam a se encontrar Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres, chapas de outros carnavais; e que se encontram pela primeira vez bambas de diferentes geografias e gerações, como o jovem artista paulistano Jaime Lauriano, que realizou uma intervenção no calçamento português do térreo do MAR, inscrevendo no piso os nomes de regiões do continente africano que foram palco de sequestros e deportações para o fornecimento de mão de obra escrava ao Brasil, e a velha guarda da agremiação sambista Filhos da Águia, chamada para tocar na festa de abertura da exposição. Ou Tia Lucia, pintora e moradora do Morro do Pinto, e Ernesto Neto, que criou uma instalação com o carnavalesco da Mangueira, Leandro Viera. No MAR se reúnem ainda modernistas já celebrizados na história da arte, como Portinari e Guignard, com artistas dos morros, como Osório Ferreira.

Em ambientes generosos como a instalação de Ernesto Neto na “Sala de Encontro” —– que promete boas rodas e conversas — ,“Rio de Samba” tem o espírito das ruas e das mesas de bar. O botequim, onde nasceram tantas composições, está nas pinturas de Heitor dos Prazeres e na ilustração de Mário de Oliveira Mendes, de 1961, que retrata para a posteridade o encontro fortuito e animado entre Jardel Filho, a vedete Irma Alvarez, Ary Barroso, Vinicius de Moraes e Oscarito.

Roteiros

Patrimônios compartilhados

MODERNOS 10, DESTAQUES DA COLEÇÃO/ Instituto Casa Roberto Marinho,RJ/ até 30/9

GRATA SURPRESA Coleção Roberto Marinho ganha espaço de vocação pública

Contam-se nos dedos das mãos as coleções particulares de arte abertas ao público no Brasil. Sempre que um colecionador decide compartilhar seu acervo, cabe comemorar. Um desses casos raros, João Carlos Figueiredo Ferraz, ex-usineiro e hoje presidente da Fundação Bienal de São Paulo, abriu um instituto em Ribeirão Preto (SP), em 2011, oferecendo, em caráter permanente, recortes curatoriais de sua coleção de mais de mil obras de arte contemporânea. “De vez em quando, paro para pensar que 95% de toda produção visual brasileira da metade do século para cá está em coleções particulares”, disse Ferraz no 1º Encontro das Artes Visuais, evento organizado pela revista seLecT, no Itaú Cultural, em abril. No encontro se discutiu o incentivo de doações a acervos públicos. Embora seja gritante ­e crescente a desigualdade da sociedade brasileira no acesso à cultura e aos direitos básicos da cidadania, é preciso comemorar o nascimento de um novo espaço cultural da iniciativa privada.

Desde 28/4, a população ganhou acesso livre (pelo menos às quartas feiras, quando a entrada é franca) a 124 destaques da coleção que o jornalista e empresário Roberto Marinho (1904-2003) formou ao longo de 60 anos. A exposição “Modernos 10, Destaques da Coleção” inaugura o Instituto Casa Roberto Marinho, na antiga casa da família, no bairro do Cosme Velho, no Rio. A julgar pela mostra introdutória, composta por dez expoentes do modernismo brasileiro dos anos 1930 e 40, trata-se de uma coleção monumental. Não só pelos números — são quase 1500 obras majoritariamente modernas —, mas qualitativamente. “O seu acervo de arte começou reunindo pintores, contemporâneos do jovem jornalista, que assumiam o Brasil como tema, linguagem e motor”, diz o diretor Lauro Cavalcanti.

Com 1.200 m2 de área expositiva e uma sala de cinema, em terreno de 10 mil, o instituto quer tornar-se centro de referência de pesquisas sobre o modernismo. Além das joias da coleção, o amor à arte do jornalista ­— e a postura consciente e generosa de seus herdeiros — são surpresas que hoje vêm à tona. PA