22/11/2018 - 10:21
São acusados de doutrinar alunos e podem ser filmados em sala de aula por seus estudantes: muitos professores brasileiros denunciam ataques a sua liberdade de ensinar e temem que a situação piore quando Jair Bolsonaro assumir a presidência.
Os temores dos professores encontram fundamento devido ao forte apoio que o presidente eleito dá ao controvertido projeto “Escola sem Partido”, que os críticos consideram uma espécie de “lei da mordaça”.
A proposta, que é debatida no Congresso, visa à publicação de uma carta de seis pontos que recorda que o professor “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.
“Respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, diz ainda o texto.
Para Taliria Petrone, deputada eleita pelo PSOL, este texto equivale a impor “um único pensamento, destinado a manter as desigualdades histórica no Brasil”.
“É uma tentativa de fazer da escola um lugar para treinar mão de obra barata, não um lugar para estimular o pensamento crítico, o pluralismo e a diversidade”, afirmou a professora de história de 33 anos à AFP.
Para Luana Fonseca, professora de jardim de infância no Rio de Janeiro, ameaças à liberdade de educação já são visíveis. “Já estamos lidando com uma forma de autocensura, os professores têm medo e um de meus colegas foi filmado em sala de aula porque usou a palavra ideologia”, explica.
“É difícil estabelecer um diálogo com os pais favoráveis a Bolsonaro porque alguém pode ser processado a qualquer momento”, acrescenta.
– Propaganda política –
Miguel Nagib, fundador do Movimento Escolar sem Partido em 2004, ficou indignado com o fato de um professor de sua filha ter comparado Che Guevara com São Francisco de Assis.
“Tudo o que defendemos já está consagrado nas leis vigentes em nosso país. Respeitamos plenamente a liberdade de educação, sabendo que isso não inclui liberdade para o professor fazer propaganda política”, diz o advogado de 58 anos.
“Não tem mordaça nenhuma porque o projeto respeita integralmente a liberdade de ensino do professor. O professor não tem liberdade de fazer propaganda política partidária em sala de aula”, diz ainda.
“Se um professor fala sobre ‘lei da mordaça’, ele admite publicamente que se sente amordaçado porque não consegue fazer propaganda”, acrescenta.
Apresentado na Câmara dos Deputados em 2014, o projeto de lei está bloqueado em uma comissão parlamentar desde 2016. A votação foi adiada várias vezes devido a debates acalorados, com insultos de ambos os lados.
Mas a eleição de Bolsonaro pode mudar a situação porque seu partido político conseguiu uma bancada sólida nas eleições legislativas. Em seu programa oficial de governo, ele defende o ensino “sem doutrinação ou sexualização precoce”.
– Medo de denúncia –
Na noite da vitória do candidato de direita, um membro do seu partido provocou polêmica pedindo aos estudantes do Facebook que filmassem suas aulas, sob o pretexto de que “muitos professores doutrinadores vão se rebelar e ficar bravos” com o resultado da eleição.
A Procuradoria iniciou uma investigação por incitação ao “assédio moral” e à “violação da liberdade de educação”, mas Bolsonaro saiu para defender a proposta.
“Eu não vejo nenhum problema, acho que uma professora deve ficar orgulhosa se um aluno perguntar: posso filmar sua aula para ver em casa? Eles devem se orgulhar disso e não se preocupar “, declarou em uma entrevista.
“Bolsonaro defende uma escola amordaçada, que não aborda questões sociais importantes para a população. Falamos de uma escola sem partido, mas ela se torna uma escola dirigida por um partido conservador”, denuncia Heleno Araujo, presidente da União Nacional dos Professores (CNTE).
Da mesma forma, pensa Salvatore Pietro, que ensina sociologia em uma universidade em Duque de Caxias, um município da Baixada fluminense. “Temos que pesar cada palavra, tudo com conotações progressistas é considerado de esquerda, ideológico, estamos na defensiva, temo que me denunciem”, afirma.
“Bolsonaro, simbolicamente, representa a reafirmação desse ponto de vista mais tradicional. A intolerância está reafirmada, não por uma medida administrativa, ou politica, mais muito mais pelo discurso dele”, conclui.