08/02/2022 - 12:59
O uso do programa de ciberespionagem israelense Pegasus gerou grandes controvérsias em muitos países, mas agora, como um efeito bumerangue, também atinge Israel, com suspeitas de espionagem contra personalidades locais.
Em julho de 2021, um consórcio de internacional de imprensa revelou que os telefones de pelo menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 ativistas de direitos humanos e 65 diretores de empresas tinham sido espionados graças ao programa Pegasus da sociedade privada NSO, considerada como uma “arma” pelo Ministério da Defesa israelense.
De fato, a exportação do programa requer a aprovação da Agência de Controle de Exportações de Defesa (DECA, na sigla em inglês), que autoriza a venda para governos estrangeiros – e não para empresas ou particulares – desta tecnologia, que permite acessar os dados de um smartphone e, inclusive, controlar a câmera ou o microfone.
Desde que essas revelações vieram à tona, a NSO insiste que obteve as licenças para exportar seus softwares e que estes, destinados à luta contra o terrorismo e o crime organizado, podem ter sido “desviados” de seu uso previsto por alguns clientes.
Em janeiro, a imprensa israelense – em particular o jornal econômico Calcalist – revelou que o programa não só foi usado no exterior, mas também pela polícia israelense, mesmo que esta não tivesse autorização da Justiça para controlar à distância os telefones dos cidadãos.
Enquanto as vendas do Pegasus “se multiplicavam no estrangeiro, houve uma espécie de normalização de seu uso por parte do governo israelense”, disse à AFP Eitay Mack, um advogado que tenta regulamentar o uso do Pegasus em Israel.
Na segunda-feira, o Calcalist publicou os nomes das pessoas que tiveram seus telefones infiltrados pelo programa, entre as quais figuram nomes que estão no centro do julgamento por corrupção do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
“Depois de ler o Calcalist, começamos a pensar que, talvez, este país não seja democrático”, escreveu hoje a colunista política Sima Kadmon no Yediot Aharonoth, o jornal de maior tiragem do país: “Se o Estado realmente funciona assim […] estamos como na Romênia de [Nicolae] Ceausescu ou no Chile de [Augusto] Pinochet.”
– Testemunhas –
Na segunda-feira, o ministro de Segurança Pública, Omer Bar-Lev, pediu a criação de uma “comissão de investigação governamental” sobre o uso sem autorização judicial de ferramentas de ciberespionagem.
Por sua vez, o primeiro-ministro, Naftali Bennett, prometeu “uma resposta” de seu governo e Netanyahu reivindicou a criação de uma “comissão de investigação independente”.
O Calcalist afirma que o programa Pegasus era usado de maneira habitual para obter informações e que foi utilizado sem autorização judicial contra Avner Netanyahu, um dos filhos do ex-primeiro-ministro, além de conselheiros deste, jornalistas e prefeitos.
Também foi usado para espionar os supostos protagonistas do “caso 4.000”, também conhecido como o caso “Bezeq”, no qual Netanyahu é acusado de ter tentado garantir uma cobertura favorável por parte do site notícias Walla há alguns anos.
Em troca, o ex-premiê teria concedido favores governamentais que poderiam ter resultado em ganhos de milhões de dólares para Shaul Elovitch, então chefe do grupo de telecomunicações israelense Bezeq, do qual o Walla faz parte.
Segundo a imprensa israelense, os telefones de dois ex-diretores-gerais do Ministério das Comunicações – e testemunhas da acusação neste caso -, executivos e chefes do Bezeq, assim como jornalistas do Walla, foram infiltrados sem ordem judicial com o Pegasus.
Por sua vez, o ministro das Finanças, Avigdor Lieberman, defendeu sua solução pessoal para o problema, publicando nas redes sociais uma foto sua com um telefone sem conexão com a internet.