DOR A mãe Melissa segura seu filho Lane: família destruída pela negligência da administração dos parques
DOR A mãe Melissa segura seu filho Lane: família destruída pela negligência da administração dos parques

Uma cena típica de filme de terror quebrou o encanto da capital da magia no mundo. Na terça-feira 14, um menino de dois anos brincava na beira de uma praia artificial na Disney World em Orlando, Flórida, quando um jacaré-americano, também chamado de aligátor, abocanhou suas pernas e o levou para dentro d´água. Ao ver a cena da areia, o pai, desesperado, correu em direção ao filho na tentativa de puxá-lo de volta. Em vão. Mais ágil, forte, e capaz de se movimentar a 37 km/h, o animal levou o menino para o fundo da lagoa. Na praia artificial de areia branca do Disney’s Grand Floridian Resort & Spa, onde a tragédia aconteceu, era comum haver crianças brincando com suas famílias. Inclusive muitos brasileiros, um dos maiores frequentadores daquele hotel, muito próximo do famoso Magic Kingdom. Foi a primeira vez que um acidente fatal aconteceu desde a abertura do parque, em 1971. Mas este único episódio manchou definitivamente a imagem de segurança que imediatamente era associada ao complexo, um local onde todos supõem estar absolutamente protegidos e a única preocupação é se divertir. Diante de uma situação como essa, é comum criticarem os responsáveis por cuidar da criança. “Eles deveriam estar atentos e não permitir que ela ficasse tão próxima da água”, se apressam os detratores. No caso de Orlando, essa afirmação é absolutamente leviana. Nos lagos artificiais do complexo Disney só há placas pedindo às pessoas que não nadem no local. Não há nenhuma sinalização sobre a possível presença de um animal perigoso. Com todas essas evidências, fica claro que o que houve no Grand Floridian não foi imprudência familiar, tampouco fatalidade. Também aponta para um único culpado: a própria Disney.

O corpo do menino morto por um crocodilo, achado após 16 horas de incessantes buscas, maculou o complexo de diversões mais famoso do planeta, que enfrenta seu caso mais grave, em 45 anos de funcionamento. Afinal, toda a estrutura dos parques era preparada para não haver acidentes e havia uma preocupacão absoluta com o funcionamento dos brinquedos e sua perfeita engrenagem, a fim de evitar qualquer tipo de ocorrência. Com isso, os pais se sentiam seguros em deixar seus filhos livres pelas convidativas atrações daquela cidade ensolarada da Flórida, pois ali seus pequenos estavam acolhidos. Até um crocodilo surgir neste cenário de fantasia, abocanhar um ser indefeso e mostrar que o paraíso das crianças e dos adolescentes apresenta criminosas falhas. A tragédia, que já seria dilacerante em qualquer lugar do mundo, ganha contornos de indignação pelo local onde aconteceu: na Disney, isso não poderia ter acontecido, é inaceitável. Agora, o mundo inteiro se pergunta se é confiável levar os filhos para lá. Você, leitor, caso os tenha, o faria? Até este terrível acidente, que certamente deixou insones milhões de pais, solidários com a dor dos turistas americanos e cientes de que poderiam estar no parques recebiam legiões de excursões com crianças viajando sozinhas, a partir dos 6 anos de idade.

Acima, o luxuoso resort Grand Floridian, onde a família de Nebrasca estava passando as férias
Acima, o luxuoso resort Grand Floridian, onde a família de Nebrasca estava passando as férias

Afinal, lá só havia espaço para brincadeira e diversão. Agora, será muito difícil reverter essa imagem negativa, mas a ação mais urgente é melhorar a segurança, inclusive assumindo que há jacarés-americanos nos lagos onde eles não deveriam estar. “Não só avisos devem ser colocados como também será preciso isolar as áreas de perigo e colocar telas em volta para que ninguém se aproxime mais”, afirma o médico veterinário André Sena Maia. Logo após a dramática ocorrência, a organização dos parques mandou interditar todos os lagos. Algumas pessoas chegaram a sugerir que eles fossem aterrados, tamanha indignação. Na opinião de Cauê Monticelli, biólogo da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, uma opção seria montar um sistema de iluminação apontado para a água, o que facilitaria o reconhecimento de animais no local. “Os olhos do jacaré têm uma membrana que reflete à luz, então é possível enxergá-los brilhando na água quando eles se aproximam.” Com isso, as possíveis vítimas poderiam fugir. Mas vale lembrar que os répteis não deveriam estar naqueles lagos e o correto seria impedir sua proliferação.

O local onde Lane Graves foi pego pelo aligátor era um verdadeiro complexo de lazer, feito para os hóspedes circularem. Bem ao lado do lago, havia restaurantes, toboáguas, piscinas, uma estrutra completa para a diversão e o descanso. Quem poderia imaginar que das águas calmas do lago surgiria um animal selvagem? Uma mãe, inclusive, fez foto de seu filho, um pouco mais velho que Lane, minutos antes do acidente, brincando no mesmo lugar (leia ao lado). As famílias costumavam deixar seus pequenos à vontade e caminhavam pela areia. Ou colocam suas cadeiras bem próximas da água, para apreciar a paisagem. O xerife Jerry Demings, responsável pelo caso, já afirmou que não há indicação de que os pais do menino, Will e Melissa Graves, americanos de Nebrasca, tenham sido imprudentes. “Não há nada que indique que algo extraordinário tenha acontecido”, disse, referindo-se sobre uma possível situação de negligência. Demings também declarou que a agência estadual ambiental irá avaliar a necessidade de alertas ao redor do lago. A Disney afirmou, em comunicado, que está revendo seu sistema de sinalização.

O drama da morte do menino mostrou um descaso do parque com uma iminente tragédia, ainda que jacarés-americanos não sejam propensos a atacar seres humanos, segundo o especialista em répteis Jim Darlington, do parque Alligator Farm, na Flórida. “No caso da Disney, o animal abocanhou a criança porque provavelmente confundiu a movimentação dela na água com a de uma pequena presa”, diz. O aligátor é símbolo da Flórida, que tem cerca de 1,3 milhão de jacarés em seu território. “Eles estão em lagos de água doce por todo o Estado”, afirma Darlington. Desde 1973, 23 pessoas morreram em ataques, o que mostra que os incidentes fatais são raros, mas possíveis. A criança na Disney foi a 24ª vítima.

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Mas uma grande dúvida paira sobre o caso e atemoriza ainda mais os turistas, que julgavam estar seguros em meio a esses lagos: se eles são artificiais, como o aligator foi parar ali? “Ele é conectado a outras lagoas artificiais e naturais e os répteis vão para lá fugidos de animais maiores que competem por fêmeas ou por comida”, afirma o biólogo Cauê Monticelli. Essa movimentação é monitorada periodicamente por uma equipe contratada pelo parque. “Os animais localizados são retirados do local pela polícia. Eles possivelmente tiram o maior número possível, mas não foi suficiente para evitar esse acidente”, afirma o veterinário Maia. Hábito comum entre os americanos, alimentar os jacarés também pode ter contribuido para a infestação que se vê nos lagos da Disney. Há, inclusive, uma lei proibindo a prática, pois, segundo os especialistas, este gesto estimula os ataques. “Temos evidências que o processo de alimentar animais selvagens inevitavelmente leva a conflitos destes com humanos, mas isso segue sendo ignorado porque as pessoas gostam dessa interação e das fotos que elas rendem”, diz Julio Monsalvo, biólogo e especialista em comportamento de predadores.

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Diante do grave quadro, que desenhou um cenário de insegurança e indefinição no destino internacional mais desejado pelos brasileiros, as férias de julho, verão nos Estados Unidos, e alta temporada nos parques, podem estar seriamente comprometidas. A população do Brasil forma o maior grupo de turistas estrangeiros em Orlando. Cerca de 770 mil visitaram a cidade americana em 2013, 20% mais do que em 2012, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Resta saber como ficarão essas estatísticas depois desse dramático episódio que encheu de realidade a terra da fantasia.

Mãe fez foto do filho (acima) momentos antes e no mesmo local onde houve o ataque do jacaré-americano e faz uma defesa emocionada dos pais da vítima
Mãe fez foto do filho (acima) momentos antes e no mesmo local onde houve o ataque do jacaré-americano e faz uma defesa emocionada dos pais da vítima

Poderia ter sido o filho dela

Momentos antes do ataque do jacaré-americano que matou uma criança de dois anos na Disney, uma mãe brincava com seu filho exatamente no mesmo lugar em que a tragédia aconteceu. A americana Jennifer Venditti tirou uma foto de seu filho na beira do lago onde cerca de meia hora depois o animal surgiu e capturou o menino Lane. Abalada com a coincidência, Jennifer publicou a imagem nas redes sociais e fez um relato comovente. “Já vi críticas aos pais. Posso assegurar que não passou pela minha cabeça ter cuidado com jacarés quando Channing estava na água”, disse, referindo-se ao seu filho, quase da mesma idade de Lane Graves. “É uma praia pequena, cercada de piscinas, de um restaurante, de uma fogueira. Não consigo conceber que um aligátor estaria em um ambiente tão movimentado” , diz Jennifer. Ao final, a mãe pede às pessoas que rezem pela família e por aqueles que presenciaram o ocorrido. “Como esses pais foram embora dali sem levar seu bebê junto?” Além da americana, milhares de pessoas ao redor do mundo se manifestaram em solidariedade e defesa da família.


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