A preocupação de quem leva um familiar ao hospital não é muito menor da do próprio paciente que dá entrada numa das alas reservadas ao tratamento da covid-19. No Brasil, as pessoas que ficam do lado de fora dos hospitais agonizam por notícias de seus parentes internados, quase sempre isolados de todos e sem a companhia da família.

O ato de acompanhar um parente no hospital sempre foi muito comum no País. Há famílias que fazem revezamento para não deixar o paciente sozinho, principalmente quando ele é mais idoso ou quando se trata de criança e jovem.

Mas até isso a pandemia do novo coronavírus, que sacode o mundo, mudou. As pessoas infectadas, sem distinção, são isoladas das pessoas que não pegaram a doença, de modo a proibir acompanhantes nos quartos ou nas alas clínicas de hospitais públicos ou privados, incluindo também os de campanha. O jornal O Estado de S. Paulo conta nesta reportagem a história de quatro famílias diferentes, que passaram por essa situação com parentes próximos durante semanas.

A agonia da falta de informação e o medo de que o pior pudesse chegar “de supetão” tornaram esses personagem, que não se conhecem, de alguma forma próximos. São relatos tristes de momentos que eles não desejariam a seus piores inimigos. Os casos mais graves, quando o paciente fica entubado e, portanto, sem poder sequer usar o telefone, são também os mais agonizantes para os familiares nas salas de espera e nas calçadas na frente dos hospitais. As informações são espaçadas e a falta delas provoca incertezas e muito medo.

O fim dessas histórias, e dos dias de medo dessas pessoas que tiveram seus parentes internados com a covid-19, foi diferente. Uma delas envolveu uma jornalista do Estado, cuja sobrinha deu entrada com a doença e permaneceu internada por mais de uma semana. Mas nem todos tiveram alta e puderam abraçar seus familiares.

‘Não vi minha mulher morrer no hospital’

O vereador Antonio Neto Mendes (MDB), de Eldorado, interior de São Paulo, viveu o drama do coronavírus na família em dose dupla, como acompanhante e paciente. Impedido de permanecer com a mulher nos últimos momentos de sua vida, Dolores Kuhnen Mendes, de 56 anos, morreu da covid-19 em um hospital particular de São Paulo, enquanto ele estava internado em outro. Mendes ficou cinco dias de cama sem receber visitas dos filhos e netos. Não se despediu sequer da mulher. “Além da tragédia de uma doença fatal como essa, a gente se vê mergulhado numa solidão infinita, sem a família.”

Dolores, servidora pública aposentada, estava em tratamento para cirrose hepática medicamentosa havia três anos e, no dia 28 de março, sentiu dores fortes. “Moramos em Eldorado e a levei para o Hospital São José, em Registro. Lá o médico me disse que ela estava com hérnia encarcerada e achou melhor que fosse transferida ao Nove de Julho, em São Paulo, onde já fazia o tratamento.” No hospital da capital, para onde foi levada em ambulância UTI, Dolores foi submetida a uma cirurgia, mas o quadro piorou. “Foi operada de novo. Eu fiquei como acompanhante, mas no dia 4 de abril, o médico me disse que, em função de haver pacientes com coronavírus, não podia mais ficar ali. Na hora nem imaginei que minha mulher estava com essa doença.”

Mendes se despediu de Dolores e voltou para Eldorado. À noite, sentiu calafrios. No dia seguinte, estava com tosse e febre. “Fiz o teste para a covid-19. Nessa altura, já não poderia mais visitar minha mulher.” Dois dias depois, com febre, dor no corpo e acúmulo de líquido na extremidade do pulmão, Mendes foi levado de ambulância para um hospital em Registro. No dia 11, quando era internado, recebeu a notícia da morte de Dolores. “Foi a coisa mais triste da minha vida”, disse Mendes, curado. “Não acredito que exista algo mais difícil do que eu passei. Doente, isolado, sem poder receber filhos e netos e sem poder ver minha mulher, mesmo depois de morta.”

‘Dá angustia porque eles ficam isolados’

“A gente fica preocupada, porque os pacientes ficam no isolamento, sozinhos”, disse Sanderli Brito, irmã da aposentada Sonia Darch Brito, de 62 anos, internada no Hospital do Servidor Municipal da capital, com sintomas da covid-19. Depois que Sonia foi hospitalizada, dia 2 de abril, quando os exames apontaram febre continuada e as imagens dos dois pulmões esbranquiçados, compatíveis com a presença do vírus, começou a angústia dos parentes no acompanhamento à distância da paciente.

“Os pacientes não podem receber visitas nos hospitais, eles ficam isolados”, diz Sanderli, que também é servidora pública municipal, contando que a irmã foi bem tratada de modo geral. Sonia teve alta dia 8 e ainda se recupera da doença em casa, em Sapopemba, zona leste de São Paulo.

“Fizeram um atendimento exemplar com ela”, contou, referindo-se aos servidores e médicos do Hospital do Servidor Público Municipal na Rua Vergueiro. Sanderli comentou que após o primeiro diagnóstico de “sinusite”, dia 26 de março, a família desconfiou de contaminação por covid-19. Ela relatou que a família teve de insistir para refazer a primeira avaliação médica já que os medicamentos não estavam dando resultado e a febre não cedia por nada. “Tivemos uma bênção porque o médico nos ouviu e decidiu pedir novos exames. E aí foi constatado que, além do pulmão direito, ela já tinha os sintomas também no pulmão esquerdo”, contou.

Na entrevista ao Estado, ela lembrou que àquela altura dona Sonia havia piorado, tinha sangramentos nasais, febre alta e desconforto respiratório – sintomas característicos da covid-19. A irmã de dona Sonia argumentou no hospital que, para acompanhar o tratamento na internação, ela própria compraria os equipamentos de proteção individual (EPIs) para visitar a irmã. Mas o hospital não permitiu. “Entendo, porque o visitante também pode se contaminar”, disse. “A gente era informada por telefone sobre o estado dela. Não podia visitar. É duro demais.”

‘Aliado ao medo há o isolamento’

A covid-19 tem sido assunto na vida profissional de Paloma Cotes desde que a pandemia desembarcou no Brasil. Subeditora de Metrópole, do jornal O Estado de S. Paulo, ela é uma das responsáveis pela organização e produção das notícias diárias sobre o assunto, comandando repórteres que trabalham nas ruas e em suas casas. Só não esperava que a covid-19 fosse se aproximar de sua vida pessoal, conforme relato ao editor de Esportes, Robson Morelli.

“As mensagens começaram a chegar na terça (dia 21) de noite. ‘Tia, estou internada, com pneumonia. Fiz o teste do coronavírus. O resultado sai amanhã.’ Foi assim que minha sobrinha me contou que estava doente, pelo WhatsApp. Meu coração gelou. A cobertura por si só da covid-19 é uma avalanche. Todos os dias, leio e edito relatos de pessoas que contam seus dramas diante de uma doença que colocou o mundo de joelhos. Mas nunca achei que a doença podia estar tão perto de mim. No dia seguinte, veio a confirmação, também pelo WhatsApp. O resultado deu positivo. Aliado ao medo do diagnóstico, se impôs o isolamento. Carol ficou internada em ala especial para pacientes de coronavírus em hospital particular. Não podia receber visitas ou ter acompanhante. Não poder cuidar dela, alguém que criei desde sempre, foi o que mais me doeu. Não podia abraçar minha sobrinha, dar colo, ajudar nos cuidados básicos. O quadro não era grave, teve pneumonia leve, ficou no quarto, mas a internação foi longa. Onze dias. Onze dias em que meu coração se encolhia a cada mensagem em que ela dizia que estava sem ar. A cada áudio que mandava chorando, eu chorava junto. E em meio a esse isolamento, ela completou 22 anos. Conforme ia cobrindo o avanço da doença, passei a me ver nos relatos das pessoas. Por trás dos números, chocantes e que não param de crescer, existe uma família, uma dor, um medo, uma angústia. Eu fazia parte desse grupo. Passava os dias dizendo a mim mesma para ser forte, porque ia passar. E passou. No fim da tarde de sexta-feira, dia 1.º de maio, veio a notícia, a alta hospitalar. Chorei, mas dessa vez de alegria.”

‘Sem meu irmão, meu pai teria morrido’

A advogada Vilma Aparecida Gomes, de 53 anos, precisou recorrer a sua experiência jurídica para conseguir que seu pai, José Gomes da Silva, de 78 anos, internado com a covid-19 no Hospital Municipal de Paulínia, tivesse a companhia de um dos filhos durante a parte final da internação. “Na idade e condição dele, de cardíaco, hipertenso e em tratamento oncológico, ele não tinha condições de ficar sozinho.”

O desejo de Vilma era estar ao lado do pai, mas ela e o marido também contraíram o vírus. “Entramos em internação ao mesmo tempo, só que em cidades diferentes. Eu e meu marido em um hospital de Campinas e meu pai em Paulínia.” As cidades são separadas por 22 km ou 20 minutos de carro.

Vilma conta que as regras dos hospitais são rigorosas em relação ao vírus e seu irmão ia ao hospital apenas para ver o boletim médico, sem permissão para ter contato com o pai. Esse tem sido o procedimento. Depois que a família consegue internar o paciente, ela não tem mais contato com ele.

“Quando conseguia falar com meu pai por telefone, percebia que o psicológico dele estava extremamente abalado, entrando numa crise forte devido ao isolamento. Percebi que ele estava se acabando e ia perder aquela batalha contra o novo coronavírus. É difícil o isolamento hospitalar para uma pessoa mais idosa, tendo contato só com médicos e enfermeiros, sem visitas dos parentes”, atestou a filha. “Foi quando consegui que o hospital autorizasse meu irmão a ficar com ele. Apesar do risco para meu irmão, não tínhamos escolha, meu pai iria morrer de depressão se não tivesse um acompanhante. Meu irmão seguiu todas as recomendações dos médicas, mas tenho certeza de que a presença dele foi decisiva para a recuperação do meu pai.”

Vilma, o marido e o pai contraíram o coronavírus em um cruzeiro de navio pela costa brasileira. Durou pouco. A viagem era um sonho do ‘seu’ José. A família embarcou dia 14 de março e retornou dia 17 – havia infectados a bordo. Após 12 dias internado, ‘seu’ José teve alta no dia 11. Deixou o hospital sorrindo e sob aplausos da equipe médica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.