Algemado dentro de um carro da polícia, o ator Fabio Assunção grita “Eu não sou criminoso”. Ele foi detido no sábado 24 após se envolver em uma briga na cidade de Arcoverde, Pernambuco, onde estava divulgando o documentário “Eu Sonho Para Você Ver”. A cena aparece em um dos vídeos que se espalhou pelas redes sociais. Em outras imagens, o ator, visivelmente embriagado, discute com um grupo de pessoas antes de cair no chão. É possível ouvir o comentário irônico de quem filma: “Fábio Assunção passando vergonha.” A comoção foi instantânea e houve quem o tratasse, sim, como um criminoso. Mas grande parte do público reagiu de outra maneira. Mensagens de apoio para a que o ator busque ajuda dominaram os comentários sobre a situação. No campo minado da internet, onde a raiva costuma brotar por qualquer motivo, essa resposta diz muito. Se há algum tempo o senso comum ditava que a dependência química tinha relação com desvio de caráter, hoje a ideia mais disseminada é a de que essa condição requer tratamento. Não é uma questão moral e sim de saúde.

O País acompanha há anos a exposição pública do drama vivido pelo ator de 45 anos, famoso desde que estrelou “Meu Bem, Meu Mal”, em 1990. Por causa de seu envolvimento com drogas, foi afastado de duas novelas. Na primeira vez, em 2008, deu início a uma série de internações em clínicas de reabilitação, inclusive em instituições internacionais. “Demorei a aceitar que tinha um vício e esse é o primeiro passo. Tinha medo de ser criticado e visto como uma referência negativa”, disse em entrevista ao “Fantástico” (Globo), em 2009. “Fui brincar com uma coisa que eu não tinha dimensão de quanto é perigosa”. Depois do que aconteceu em Pernambuco, o ator se pronunciou publicamente por meio de uma nota. “A situação saiu do controle. Infelizmente aconteceu uma briga. Errei ao me exceder. Não fiz uso de nenhuma droga ilícita — o que será comprovado pelo exame toxicológico que eu mesmo pedi para ser feito. Serei responsável pelos danos causados.” Procurado pela reportagem, o ator preferiu não se pronunciar.

“Eu não usei nenhuma substância ilícita” Fabio Assunção, ator, após o incidente em Arcoverde (PE). Ele fez exame toxicológico

Para a coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da Universidade de Brasília (UnB), Andrea Gallassi, a compreensão da sociedade sobre a dependência química tem evoluído. “Sempre houve uma percepção muito ligada à desocupação, vagabundagem, e a um discurso de que a pessoa teria que ser punida”, diz. Para a especialista, a noção de que dependência química não tem relação com caráter tem ficado mais evidente também por causa das discussões que estão surgindo. “A cracolândia é um exemplo: muita gente tem percebido que aqueles dependentes não são bandidos, mas que eles têm um problema”, afirma, referindo-se à região no centro de São Paulo que concentra usuários de crack e tem sido foco de diferentes projetos sociais e de saúde. “Esse tipo de visão favorece a aproximação da sociedade com o tema e com pessoas que precisam de tratamento, porque normalmente o que elas vivem é o afastamento.” O caso de Assunção também mostra a dura convivência com recaídas como uma realidade de quem faz uso de substâncias químicas. “Muitos consideram um fracasso mas, para nós da área da saúde, é do dia-a-dia de quem está em tratamento. É até esperado”, afirma o psiquiatra Arthur Guerra, supervisor do Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo (USP). “Ainda assim, a decepção e a tristeza causadas pela reincidência são as mesmas tanto para um famoso quanto para um anônimo.”

Fama abuso

A relação entre fama e drogas é conhecida do público, já que não são poucas as histórias de artistas que se envolvem com substâncias ilícitas. Para o psicoterapeuta americano John Tsilimparis, especialista em dependência, há uma questão crucial que diferencia o usuário famoso porque, mesmo que seja afastado de um trabalho, não vai deixar de ser uma celebridade. “Os fãs perdoam. É só ver o caso do Robert Downey Jr. aqui nos Estados Unidos. Ele ficou até preso por envolvimento com drogas, mas continua sendo um dos artistas mais amados do país”, diz Tsilimparis sobre o protagonista da franquia “Homem de Ferro”. O problema não é ter uma atitude compassiva com as celebridades, mas sim usar outra medida quando se trata de anônimos, especialmente pobres e vulneráveis. “Gostaria que olhassem para todas as pessoas como se olha para os artistas.”