17/09/2021 - 9:30
Quando o telefone tocou, o ex-presidente acordou de sua soneca da tarde, assustado.
Há meses ninguém ligava para ele.
Mensagens, só recebia as de desconto de aplicativos de entrega.
– Alô? – atendeu desconfiado.
– Michel?
– Sim…
– É o Jair.
Ao reconhecer a voz, o ex-presidente se ajeitou da poltrona.
– Presidente! Mas que honra!
– Michel, o pessoal aqui está dizendo que precisa da sua ajuda, tá ok?
– Claro, presidente! Estou sempre à disposição do meu País.
– Não é o Brasil que você precisa ajudar. É que eu andei falando aí umas verdades e o pessoal está dizendo que pode dar problema.
– É presidente… eu ouvi o discurso. Realmente, o senhor falou além da…
– Isso. Você já entendeu. Mandei meu avião buscar você aí. Venha para cá que a gente conversa melhor.
O ex-presidente não perdeu tempo. Vestiu seu terno mais garboso e poucos minutos depois já estava no avião presidencial rumo à Brasília. Durante o voo, sabendo o que seria solicitado, começou a escrever o rascunho de um discurso presidencial, se desculpando dos excessos da véspera.
Não foi arrependimento, mas a carta apagou o incêndio do Sete de Setembro
Ao chegar a Brasília, presidente e ex-presidente tiveram uma reunião fechada.
Nela o ex-presidente explicou ao atual que, se ele queria evitar uma crise institucional, teria que se dirigir ao povo e admitir seus erros.
– Erros? Mas eu não errei caceta. Você também Michel?
– Desculpe presidente… erros não… exageros talvez?
– Tá. Aí pode ser.
– Então presidente… agora não é hora de agredir outros Poderes. Quem sabe o senhor poderia pedir desculpas ao…
– Nem pensar! Desculpas eu não peço mesmo!
– Ok… ok… então ao menos admitir que no calor do momento… Calor do momento eu gosto, respondeu Bolsonaro.
O ex-presidente abre sua pasta e apresenta o rascunho do discurso para o mandatário.
– Eu rabisquei aqui algumas ideias…
– Pode ler você mesmo. Assim eu presto mais atenção.
Enquanto lia, o presidente caminhava pela sala corrigindo o ex-presidente.
– “Alexandre, o grande”, nem pensar.
– “Perdão Barroso”, também não quero.
– “Honrada CPI”, tira o honrada.
Duas horas depois, o documento estava pronto.
– O que você acha, Michel? Isso basta?
– Bem… esse texto somado a uma meia dúzia de cargos bem distribuídos, acho que resolve.
O presidente chamou seus assessores.
– Olha gente, eu escrevi aqui com o Michel, uma coisinha para falar para povo. Vou ler aqui para vocês. Terminada a leitura, os assessores estavam visivelmente aliviados.
– Vamos gravar então. Michel, você já sabe de cabeça ou precisa de uma colinha?
– Como assim presidente? — o ex-presidente estava confuso.
– Ué, é você que vai ler isso, né?
– Não presidente! A idéia é que o senhor leia, para dar mais credibilidade.
– Eu? Mas eu nunca li um discurso, gente. Eu falo de improviso!
Um assessor murmurou um “por isso mesmo”, mas ninguém ouviu. Mourão interferiu.
– Presidente, esse texto só faz sentido se o senhor ler… é preciso mostrar seu arrependimento!
– Arrependimento? Mas eu não estou arrependido, tá ok?
O ex-presidente interviu.
– Não é arrependimento presidente. Na verdade o senhor vai demonstrar que entende a importância de unir o País nesse momento. — e piscou para Mourão.
Organizaram a coletiva para que o presidente lesse o discurso.
De volta para o palácio, o presidente agradeceu ao ex-presidente.
– Obrigado, pela ajuda, viu Michel? Tô te devendo uma.
– Que é isso presidente! Estou sempre a sua disposição para apagar qualquer incêndio!
Indignado, o presidente não se conteve.
– Pô Michel! Até você?! Não me fala em bombeiro, caceta!