Ah, a cueca. Como virou moda, a Polícia Federal (PF) já sabe rastrear dinheiro sujo. Parte dos recursos — R$ 30 mil em espécie — que o vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), desviou do combate à Covid-19 foi facilmente encontrado: a polícia mandou ele mostrar a cueca. O dinheiro, literalmente sujo, foi encontrado entre as nádegas. No total, a polícia encontrou na casa do senador R$ 100 mil. A operação da PF aconteceu na cidade de Boa Vista, quarta-feira, 14. O episódio enfraquece de uma vez o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que a corrupção no Brasil acabou. Ele fez questão de frisar depois do ocorrido que a ação da PF comprova a isenção do governo. “Se um vereador faz algo de errado, não tenho nada a ver com isso”, disse o presidente no Palácio da Alvorada. Mas não há nenhum motivo para acreditar que o presidente não conhecesse bem o amigo que nomeou como vice-líder do governo.

A ligação entre o senador e o presidente Bolsonaro é digna de ambiente matrimonial. O presidente já afirmou, em vídeo, que vive “quase uma união estável” com o senador. Amigos de longa data, os dois atuaram juntos como deputados federais entre 1991 e 2011. Nos bastidores, os parlamentares lembram que em 2019 o senador esteve no grupo que acompanhou a viagem do presidente a Israel.

Com o objetivo de diminuir os danos à imagem da Presidência, o entorno de Bolsonaro aconselhou o presidente a pressionar Léo Índio, sobrinho do mandatário e que trabalha como assessor do senador a se demitir. Índio é primo dos filhos de Bolsonaro e, portanto, intimamente ligado ao clã Bolsonaro. Ele recebe pouco mais de R$ 14 mil de salário. O assessor é mais um familiar que se instala em um cargo comissionado na esfera governamental.

Emendas parlamentares

Autorizada pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), a operação Desvid-19 da PF investiga recursos recebidos pela Secretaria de Saúde de Roraima. Há indícios de desvios milionários de emendas parlamentares que destinavam dinheiro público exclusivamente para o combate à Covid-19, de cerca de R$ 20 milhões. Na sua defesa, o senador declarou, em nota, inocência e clamor “pela justiça divina”. “Tenho um passado limpo e uma vida decente. Nunca me envolvi em escândalo de nenhum porte”. O caradurismo de uma figura dessas é deplorável. Ainda posa de inocente como virgem imaculada. É patológico o cinismo de alguns políticos. E o que é pior: tem seguidores que acreditam nas suas versões. As evidências encontradas em espécie contrariam qualquer artifício demagógico do político.

“É quase uma união estável, hein, Chico!”
Jair Bolsonaro, quando era deputado federal, falando sobre sua amizade
com o então deputado Chico Rodrigues, hoje senador pelo DEM-RR

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, se posicionou no Twitter sobre o caso, lembrando do dinheiro na cueca encontrado na época do mensalão petista: “Muda-se o populista, mas uma roubalheira continua. Os lulistas já tinham passado um vexame histórico com o caso do dinheiro na cueca.Agora os bolsonaristas inovam: é grana de corrupção na bunda mesmo, reforçando a correção anal que marca o clã Bolsonaro e apoiadores”. A situação neste caso é muito mais escatológica.

O senador já foi alvo de investigação em 2006. A acusação na época era que o Rodrigues superfaturava os gastos com combustíveis no seu gabinete de deputado federal. A corregedoria da Câmara apurou um gasto excessivo de cerca de R$ 170 mil. Rodrigues justificou a manobra alegando que os gastos eram feitos, também, com outros fornecedores e terminou absolvido. Ele admitiu que não estava certo, “mas é a maneira que tenho para justificar o gasto”, explicou Rodrigues.

A crueldade de desviar o dinheiro que seria utilizado para o combate à pandemia expõe a mais alta desumanidade. O crime não é, mas deveria ser hediondo. Pessoas morrem de fome e falta de remédios. Não fica apenas na prateleira das questões legais. È o abuso da boa vontade de todo um País que se mobiliza para diminuir a miséria. O caso do dinheiro na cueca, já popularizado no meio político, precisa ser combatido: outras cuecas aconteceram e outras não deveriam se repetir.

 


 

O sobrinho

FAMÍLIA Léo Índio (à esq.), sobrinho de Bolsonaro, acompanha o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) (Crédito:Divulgação)

O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) tem vínculos de amizade com o presidente Jair Bolsonaro desde os tempos em que foram deputados federais, em um convívio de 20 anos na Câmara. O mandatário chegou a dizer em um vídeo que circula na Internet que o relacionamento de ambos “é quase uma união estável.”

O compadrio aumentou, contudo, quando Bolsonaro assumiu o cargo de presidente em janeiro de 2019 e nomeou Chico como vice-líder do governo no Senado. Logo, o senador contratou o sobrinho do presidente Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, para assessorá-lo. Além de parente, Índio é amigo íntimo do filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e recebe um salário de R$ 14 mil mensais — em um ano e meio, ele já recebeu R$ 436 mil do Senado.