Enquanto a linha de frente aproxima-se de vilas no leste da Ucrânia, grupos de resgate apoiam moradores que decidem deixar suas casas para trás. Uma repórter da DW acompanhou o trabalho."Estamos sentados sobre nossas malas", diz Natalia sobre sua vida em Svyatohorivka, no leste da Ucrânia. A vila fica nos arredores de Dobropillia, na região do Donbass, onde o Exército russo recentemente avançou dez quilômetros. Embora soldados ucranianos tenham conseguido recuperar alguma localidades, aldeias vizinhas seguem sob fogo constante.
Natalia só está em Svyatohorivka porque seus pais idosos se recusam a ir para outro lugar. "Meu pai diz: nasci aqui e vou morrer aqui. E eu respondo: 'Você vai morrer. Mas quem vai enterrá-lo quando todos os outros tiverem ido embora?'" Encontramos Natalia em uma vila praticamente deserta durante uma evacuação realizada por policiais do grupo Anjos Brancos, apoiados por voluntários.
Como a evacuação em Donbass é perigosa, o grupo viaja em um veículo blindado equipado com equipamento de combate eletrônico. Enquanto David, um voluntário da missão beneficente Aura, está ao volante, o policial Ilya Malzev olha o mapa. Eles devem visitar dois endereços em Svyatohorivka.
"E onde vou morar?"
No primeiro endereço, Maria, de 74 anos, aguarda-os já com seus pertences arrumados. Um policial pega suas malas e um voluntário ajuda a mulher, que só consegue andar devagar, apoiada em uma bengala. Maria finalmente entra no carro e respira fundo. "Os drones estão voando direto para nós. Na verdade, queria ficar, achei que já estava velha. Mas a vida está me forçando. É insuportável, só resta um vizinho na nossa rua, todos os outros foram embora", diz.
O grupo não consegue encontrar o segundo endereço imediatamente. Apenas alguns moradores conhecem Tetjana, de 70 anos, que está na lista de evacuação. Finalmente, um policial a encontra em uma das casas abandonadas. Ela se refugiou aqui há uma semana, depois que sua casa na vizinha Dobropillja foi destruída por bombardeios. "Tive que deixar minhas coisas para trás", lamenta Tetjana.
"Vamos! Não há sentido nenhum em ficar aqui", insiste Ilja Malzew. Ela cobre o rosto com as mãos, inicialmente relutante em ir. Mas, no final, agradece aos voluntários. Sorridente, diz: "E pensei que todos tivessem se esquecido de mim". Ao sair de Svyatohorivka, a senhora de 70 anos pergunta onde receberá sua aposentadoria no futuro. "Onde você vai morar", respondem os voluntários. "E onde vou morar?", questiona.
"Situação mudou drasticamente"
Acomodar as pessoas de vilas próximas à linha de frente não é mais simples que a evacuação em si, relata Kostyantyn Tunyzkyj, outro policial dos Anjos Brancos. Ele também já foi forçado a se deslocar – sua moradia ficava na vila de Kurakhove, ocupada pela Rússia desde o início do ano.
Os evacuados de Dobropillia, Sviatohirivka e outras vilas fazem primeiro uma escala ainda na região de Donetsk. Voluntários de várias organizações de caridade atuam lá. Em seguida, eles levam as pessoas para a região de Dnipropetrovsk, e de lá elas são colocadas em um trem ou alojadas em acomodações de emergência. Nesta semana, no entanto, o número de evacuados excedeu significativamente o número de vagas disponíveis nas acomodações, e eles tiveram que dormir em barracas.
Dezenas de pedidos de evacuação são recebidos diariamente da área de Dobropillia, relata Kostyantyn Tunyzkyj. "Em Dobropillia, um prédio inteiro foi destruído por uma bomba guiada. Cinco pessoas que passavam a noite lá estavam esperando por nós", diz o policial, acrescentando: "A situação mudou drasticamente."
Se as equipes de evacuação não podem entrar em uma vila porque o perigo é muito grande, elas pedem às pessoas que caminhem, explica o policial. Ele conta sobre um telefonema de um casal de idosos. "Houve combates intensos na vila de Nykanoriwka. Um casal de idosos com dificuldade para andar levou uma senhora idosa acamada em um carrinho de mão para a vila vizinha de Bilezke. Eles disseram que os militares russos haviam atirado no filho da mulher acamada, bem como em seus vizinhos que estavam escondidos no porão", relata Tunyzkyj.
"Pessoas fizeram as malas e partiram"
Moradores também estão deixando Dobropillia e suas redondezas em seus próprios veículos. Um carro com uma fita branca e um reboque param no ponto de evacuação. A fita está lá para proteger contra os drones russos e o reboque serve para levar toda sua vida para um novo lugar, diz Natalia, proprietária do carro. Ela deixou Dobropillia com o marido e o gato. "Muitas casas já foram destruídas. A cidade está muito assustadora. As pessoas rapidamente fizeram as malas e partiram", diz.
"Para ser sincera, não sei o que vai acontecer agora. Primeiro tenho de superar tudo isto", continua Natalia. Ela e o marido estão a caminho de Ternopil, no oeste da Ucrânia, para visitar o filho, que era soldado e foi dispensado do Exército devido a uma lesão. A mãe de Natalia ainda está em Dobropillja. "Não consegui convencê-la", suspira.
"Às vezes acontece de pessoas se recusarem a ser evacuadas. Principalmente porque não tomaram elas mesmas a iniciativa, mas foram colocadas em uma lista por seus parentes", explica o policial Tunyzkyj. Mesmo assim, os voluntários tentam convencê-las. "Chegará o momento em que ninguém mais poderá ir até elas", diz.
"Meu conselho é que procurem um lugar seguro."
Oleh, 56 anos, de Pokrovsk, sabe como é quando você não quer ir embora. "Meu conselho é que você se coloque em segurança", enfatiza. Oleh tem ferimentos no rosto, um ponto acima do olho e a mão enfaixada. Ele deixou Pokrovsk de bicicleta. "Escapei, tive sorte. Mas há muitas bicicletas, motocicletas e carros quebrados ao longo da estrada", diz.
Três dias antes, um drone russo voou para o jardim de Oleh. "Era como um pequeno avião circulando acima de nós. Não estava ciente do perigo. Mas a explosão repentina quase queimou meus olhos", diz. Seus vizinhos vieram em seu auxílio. Oleh perdeu parcialmente a visão como resultado do ataque.
Ele decidiu partir porque os hospitais em Pokrovsk estão fechados. "Há bombardeios constantes. Casas estão pegando fogo. A cidade não existe mais", diz. Em junho, o irmão de Oleh foi morto por um projétil de artilharia, e ele teve que enterrá-lo perto de uma cerca. "Muitas pessoas estão enterradas em jardins", afirma.
"Se alguém estiver em dúvida, meu conselho é: vá embora!", repete. Em setembro passado, quando a evacuação começou em Pokrovsk, ele se recusou a sair e enviou apenas sua esposa e filha para Odessa. Naquela época, ele não queria abrir mão de sua casa. "Estava apegado aos meus pertences. Mas a vida é mais valiosa", enfatiza. Agora, suas coisas cabem em duas malas, que ele está levando consigo para se juntar à esposa e à filha.