SIGILO Os alemães tinham um esquema para roubar e guardar
as obras: articulação silenciosa (Crédito:Divulgação)

Além do massacre que dizimou milhões de pessoas entre 1939 e 1945, a Segunda Guerra Mundial também é lembrada como um período no qual Adolf Hitler e suas tropas saquearam milhares de objetos valiosos de diversas nações, causando feridas culturais que nunca foram curadas. Em busca de solucionar alguns mistérios acerca do tema, o jornal The First News, da Polônia, publicou recentemente a descoberta do diário de um oficial do exército nazista que contém informações valiosas sobre o paradeiro de tesouros roubados pelos alemães 75 anos atrás. Junto ao registro está um mapa que leva a um poço com mais de 60 metros de profundidade, embaixo do Palácio de Hochberg, região sudoeste do País, supostamente repleto de ouro.

Segundo especialistas, o registro foi mantido em sigilo por membros de uma loja maçônica na cidade de Quedlinburg, Alemanha, que devolveram o diário aos poloneses como “uma forma de se desculpar” pelos horrores da guerra – muitos deles, inclusive, são descendentes de membros do exército nazista. Escrito por um oficial chamado Michaelis – pseudônimo, na visão de especialistas – o documento detalha uma importante missão elaborada por Heinrich Himmler, líder do Esquadrão de Proteção nazista e um dos oficiais de confiança de Hitler: esconder parte dos artefatos roubados na guerra.

No diário, o oficial nazista conta que dezenas de tesouros estão guardados abaixo do Palácio de Hochberg, em um poço com mais de 60 metros (Crédito:Janek Skarzynski / AFP)

Michaelis estava em solo polonês quando foi informado por espiões sobre o avanço de tropas soviéticas, fato que simbolizava um risco iminente de morte. Acompanhado de outros oficiais, ele distribuiu os tesouros por 11 locais diferentes no País. No entanto, selecionou o Palácio de Hochberg como ponto principal. O medo de que civis descobrissem o paradeiro dos artefatos era tanto que os soldados teriam detonado bombas na entrada do poço para impossibilitar futuras buscas. Além disso, acredita-se que eles assassinaram algumas testemunhas que chegaram ao local após as explosões.

“Os nazistas roubaram diversos povos durante a Segunda Guerra Mundial. Culturas foram destruídas em vários sentidos”, diz Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Hitler queria uma cidade (Berlim) culturalmente mais importante do que Paris e isso explica porque os nazistas roubaram tantas obras de arte em inúmeros países”, conta. Embora áreas como história e arqueologia tentem quantificar, os danos causados pelos nazistas são praticamente incalculáveis.

“Hitler queria uma cidade culturalmente mais importante do que Paris. Isso explica o roubo de tantas obras de arte” – Francisco Teixeira, historiador UFRJ

Rastros da espoliação

Historiadores comparam os impactos destrutivos do Terceiro Reich com o período das grandes navegações europeias que exploraram as Américas e o continente africano séculos atrás. Sendo assim, é cabível afirmar que a espoliação foi uma prática comum em governos autoritários. “O roubo de arte, joias e artefatos raros é uma constante na história da humanidade”, diz Teixeira. “Isso já aconteceu no Egito, na Grécia, em vários países”, ressalta.

Fascinados pela ideia de que eram deuses, Hitler e o general Heinrich Himmler foram seletivos na escolha dos soldados da loja maçônica, a maioria da SS. Os agentes estavam infiltrados em outros batalhões e assim agiram em países como França, Bélgica, Áustria, Ucrânia, entre outros, pois conseguiam antever os passos de seus inimigos. Estima-se que tenham roubado mais de 5 milhões de relíquias e objetos de arte em pouco mais de seis anos de guerra. O passo seguinte seria remodelar Berlim para que a cidade se tornasse a “capital da arte” na Europa.

O debate sobre apropriação cultural e a devolução de obras de arte não é algo que fica restrito apenas aos nazistas. Tanto historiadores como autoridades políticas afirmam que os museus mais famosos do mundo sobrevivem às custas de roubo, lucrando milhões por ano com o turismo, mas não se mobilizam para fazer o que é correto: devolver as relíquias. É o caso do Louvre, na França, do Museu Britânico, em Londres, e do Museu de Etnologia de Viena, Áustria. Os objetos de destaque vão desde a badalada Mona Lisa, do italiano Leonardo Da Vinci, até as colunas gregas do Parthenon e o cocar asteca do imperador Montezuma.

Roman Furmaniak, presidente da Silesian Bridge, empresa que lidera as pesquisas sobre o diário, ressalta que sua descoberta representa uma virada no que diz respeito ao resgate cultural de inúmeros povos, sobretudo porque as novas gerações querem estancar velhas feridas. “Os descendentes de oficiais nazistas que desenvolveram o diário querem se livrar da bagagem do nazismo, do fardo. Eles querem que todos os itens encontrados sejam devolvidos aos legítimos donos”, afirma.