Após nove dias de desespero, a sogra do presidente da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, foi libertada pela polícia às 19 horas do domingo 31. Aparecida Schunck Flosi Palmeira, de 67 anos, foi mantida em um cativeiro no bairro de Jardim São Miguel, no município de Cotia, em São Paulo. Alugada por Victor Oliveira Amorim, 19 anos, um dos executores do crime, para viver com a mulher, a casa localizada na rua São Serafim se tornou o local escolhido para manter a vítima. A área possuía cerca de 40 m2, mas era num quarto de 16 m2 que Aparecida ficou confinada. No espaço sem janelas, havia somente uma cama de casal. Ao lado, um pequeno banheiro que ela dividia com os seqüestradores, que se revezavam para vigiá-la. No primeiro dia, a aposentada recebeu dos criminosos uma marmita de arroz e carne, mas não gostou da comida e sugeriu que lhe dessem iogurte e frutas – pedido atendido. O cômodo era escuro e ela torcia para que um vizinho escutasse ruídos e chamasse a polícia. Com o passar dos dias, e o desespero à flor da pele, ela cogitou fugir. Depois, desistiu da idéia. Finalmente, na noite do domingo, a polícia estourou o cativeiro e a resgatou. “Ela saltou da cama e agarrou meu braço”, diz Marcelo Spacassassi, investigador da Polícia Civil de São Paulo. A forma como o seqüestro foi feito e conduzido, e até o tratamento da vítima no cativeiro, denunciam várias situações inusitadas neste crime, segundo a equipe envolvida na investigação e especialistas ouvidos por ISTOÉ.

PRISÃO Interior da casa em que Aparecida Schunk, 67 anos, passou nove dias confinada, em Cotia, São Paulo
PRISÃO Interior da casa em que Aparecida Schunk, 67 anos, passou nove dias confinada, em Cotia, São Paulo

Com o resgate de Aparecida, os investigadores descortinaram uma sequência de falhas da quadrilha que orquestrou o ato. O piloto Jorge Eurico da Silva Faria, que prestava serviço à família de Ecclestone quando vinha ao Brasil, foi considerado o mandante do crime. Ele teria contratado os serviços de Victor e David Vicente Azevedo, de 23 anos, para o sequestro da vítima em sua casa em Interlagos, zona sul de São Paulo. Na sexta-feira 22, David chegou à casa de Aparecida com uma caixa nas mãos se passando por um entregador de móveis. Segundo a polícia, a embalagem teria sido obtida na loja de presentes de sua mãe . Coincidentemente, a filha de Aparecida esperava uma entrega. Eles abordaram a aposentada e prenderam duas empregadas em uma sala de costura no interior da casa. Às 12h34, os seqüestradores saíram da casa com o carro da vítima, um HRV, para não chamar a atenção da vizinhança. Nesse momento, Aparecida estava amarrada no banco detrás com David, enquanto Victor dirigia. Minutos depois, uma das empregadas acionou a Polícia Militar.

Trinta minutos antes do crime, um Fiesta branco rondava a casa da sogra de Ecclestone. Esse mesmo veículo, conduzido por um quarto participante do seqüestro, acompanhou o carro de Aparecida e, próximo ao Butantã, foi substituído pelo HRV. Aí surge a primeira característica atípica no sequestro. “O carro costuma ser incinerado para eliminar vestígios biológicos e os criminosos utilizam uma placa dublê para ganhar tempo na investigação da polícia”, diz Ricardo Chilelli, especialista e consultor em segurança. Nada disso foi feito. Às 15 horas, os criminosos utilizaram um celular para criar um e-mail na plataforma do Yahoo e pedir o resgate à filha da vítima e mulher de Ecclestone, Fabiana Flosi, que vive em Londres, no Reino Unido. O tempo para o primeiro contato com a família também foi considerado atípico. “Todo bandido demora no mínimo 72 horas para procurar a família, esse tempo é usado para fragilizar a família. O profissional sabe que aquele ‘produto’ é sinônimo de dinheiro”, afirma Chilelli, que faz análise e gestão de risco para 58 famílias de São Paulo que estão entre as cem mais ricas do Brasil.

Bandidos monitorados

No momento em que se pede o resgate, a Delegacia Anti Sequestro da Polícia Civil é acionada. “Fizeram uma exigência milionária e um assessor da família, que é um coronel militar reformado, entrou em contato com a gente”, afirma o delegado Rodolpho Chiarelli Júnior. Segundo a polícia, o valor exigido era 110 milhões de euros, US$ 5 milhões e R$ 5 milhões divididos em oito sacolas. Do total, cada um dos executores receberia R$ 40 mil. “Eles não têm como conferir essa quantidade de dinheiro em espécie num curto período de tempo. Em um sequestro dessa magnitude, o pagamento seria feito em depósito em paraísos fiscais”, afirma Chilelli. A família foi orientada pela polícia a não pagar o resgate. Outros fatores também causaram estranheza no sequestro. Os executores não usaram máscaras para proteger o rosto. A placa do Fiesta não foi ocultada, facilitando o rastreamento da polícia através das câmeras de rua, e ainda havia provas, como as impressões digitais dos criminosos no veículo.

A partir das imagens das câmeras de rua, a polícia chegou à feição de David, que já tinha passagem pela polícia por tráfico de drogas. “Conseguimos autorização para interceptar 15 telefones até que chegamos à informação de que David havia quebrado a perna, estava morando com a mulher e era conhecido como Playboy”, diz Chiarelli Júnior. A equipe de investigadores locais monitorou o provável endereço até confirmar que se tratava da casa dele. Com isso, David foi preso pela equipe de investigadores por volta das 18h30 do domingo. Paralelamente, o grupo de inteligência recebeu da família uma lista de pessoas que pudesse ter alguma relação com o seqüestro. Entre eles, aparecia o nome do piloto Jorge Eurico Faria, ex-presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero. Desde 2014, Faria era procurado pela Justiça por participação em um furto de helicóptero. O piloto passou um tempo em Portugal, mas retornou ao Brasil, para o condomínio em que vivia na Granja Viana, próximo de Cotia.

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O plano fantasioso, organizado desde outubro de 2015, para receber o resgate, era enviar o dinheiro em um jato da Inglaterra para o Brasil, pousando em um aeroporto do Nordeste. “O dinheiro seria dividido em três helicópteros com destino à Jundiaí, com gasolina para viajar a noite toda”, afirma Chiarelli Júnior. Porém, o fator determinante para a polícia desvendar o sequestro foi o amadorismo. Faria chegou a se encontrar com os executores. “Normalmente, as quadrilhas são segmentadas e as hierarquias não têm contato entre si”, diz o delegado. “Não é algo usual”, diz Chilelli. Os seqüestradores apontaram, por meio de uma lista de fotografias de suspeitos, o rosto de Faria como o mandante do crime.

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Com essas informações, a equipe tática e de investigadores locais partiram para o cativeiro, a 500 metros da casa de David. Em frente à casa, havia um Pólo preto, que tinha sido roubado por Victor, e possuía uma placa fria. “Pulamos o carro, invadimos a casa até chegar ao quarto onde estava Aparecida e prendemos o Victor”, afirma Spacassassi, o investigador. Na segunda-feira, por volta das 4 horas da manhã, Faria foi preso na casa dele e autuado em flagrante por extorsão mediante sequestro. De acordo com a polícia, ele fez e recebeu vários telefonemas dos sequestradores. Foram apreendidos computadores, notebooks e pen-drives que ficarão sob investigação da Polícia Civil. Na Delegacia Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o piloto negou o envolvimento e disse que não conhecia os dois presos. “Eles serão indiciados por sequestro com fins patrimoniais”, diz Chiarelli.

Os vestígios deixados durante a execução do sequestro deixaram a vítima ainda mais vulnerável. “Sob a vigia de traficantes ela correu um risco ainda maior. Qualquer coisa fora do planejado poderia ter ocorrido”, explica Chilelli. “É um tipo de crime que tem tudo para dar errado, faz o bandido pensar que vai obter facilmente o retorno”, diz. Para o delegado-chefe do DHPP, Carlos Targino da Silva, quando um sequestro dá certo produz um efeito multiplicador. Mas, este ano 14 casos foram esclarecidos sem pagamento de resgate. “A eficiência da divisão é um desestímulo à atuação dos criminosos”, afirmou Mágino Alves Barbosa Filho, secretário de Segurança Pública de São Paulo.

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Eter Macdiarmid/Getty Images

“Os sequestradores merecem a pena de morte”

No Rio de Janeiro para os Jogos, Bernie Ecclestone e Fabiana Flosi (foto abaixo) relatam à ISTOÉ o desespero vivido durante o sequestro de Aparecida Schunk

Em sua opinião, qual pena os sequestradores mereceriam?
Infelizmente, o que eu gostaria não vai mais acontecer, porque eles estão em poder da polícia. Sempre fui favorável à pena de morte. Temos que pensar na mesma proporção e mandar a mensagem correta para esse tipo de criminoso. Eles estão negociando a vida de uma pessoa. O mesmo deveria acontecer com eles.

Como o senhor vê o fato de um piloto, que manteve contato com sua família, ser o mentor do sequestro?
Fiquei muito decepcionado. Mesmo sem tê-lo conhecido de uma maneira tão próxima, nunca imaginei que ele fosse capaz de uma coisa desse tipo. Não acredito que ele estivesse desesperado por dinheiro, ele tinha uma posição considerável. Talvez fosse uma pessoa gananciosa demais.

Vocês chegaram a pensar que Aparecida Schunck seria morta?
Mesmo com ameaças horrorosas, preferi ser positivo. Não poderia ficar irritado ou angustiado. Pensávamos no que poderíamos fazer caso a polícia não conseguisse lidar. Tínhamos que pensar na possibilidade dela ser morta, isso sempre foi colocado pelos sequestradores. As pessoas que foram presas tiveram sorte de a polícia ter cuidado disso em vez de eu ter cuidado pessoalmente.

Como foi receber o contato com os sequestradores?
É desesperador. Sabemos que no Brasil há seqüestros de meses. “Ou você paga ou vamos começar a distribuir os pedaços do corpo dela”, diziam, por e-mails. Mandaram também uma mensagem dela gritando e chorando. É um crime brutal.

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Nove dias de tormento

Como foi a rotina de Aparecida Schunck

Dia 1 (22 de julho)
Aparecida Schunk chega ao cativeiro, em Cotia, encapuzada, e é colocada num quarto escuro de 16 m2 em uma cama de casal, sem tevê ou som, onde permanece deitada. Os seqüestradores dão carne e arroz para ela comer, mas ela não gosta da comida e pede iogurte e frutas

Dia 2
Victor e David se revezam para vigiar Aparecida. Ela pode ir ao banheiro e tomar banho, porém sempre acompanhada de um dos dois, que fica à espera na porta. Ela pede para os seqüestradores comprarem um remédio de uso contínuo e é atendida

Dia 3 e 4
Aparecida começa a escutar sons das casas vizinhas. Os seqüestradores dormem no mesmo cômodo que ela, ao lado de sua cama, para monitorá-la


Dia 5 e 6
A sogra de Bernie Ecclestone passa o dia todo deitada na cama, podendo se locomover somente até o banheiro, ao lado do quarto. Mais confiantes, os seqüestradores passam a dormir no cômodo ao lado

Dia 7 e 8
Aparecida tenta se manter firme e não chorar, mas chega a pensar em fugir. O plano é aproveitar enquanto um dos criminosos toma banho (os três usavam o mesmo banheiro)

Dia 9
A refém está deitada na cama quando a polícia invade o local. Desesperada e chorando, ela agarra o braço de um dos policiais e é retirada do cativeiro enquanto a equipe prende o segundo bandido.


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