Lima ficou vinte anos em coma, coitado.
Acidente na Dutra.
Acordou em 2037 para a surpresa dos médicos que, mesmo com a moderna tecnologia, não tinham conseguido trazê-lo
de volta.
Desistiram há muitos anos, certos de que Lima ficaria ali, vegetando, pelo resto da vida.
Exatamente por isso, dez minutos depois de acordar, já havia seis médicos ao redor de sua cama, medindo, auscultando, examinando.
Lima estava, naturalmente, atrapalhado e meio zonzo, então botou na conta dessa confusão o fato de imaginar ter lido “Hospital Luiz Inácio Lula da Silva”, no avental de um
dos médicos.
Passados alguns dias, Lima já tinha certeza de que era mesmo esse o nome do hospital.
Ficou encafifado.
Nas vésperas do coma, Lula estava a ponto de ser preso e agora, no futuro, virou nome de um hospital?
– Esquisito — pensou.
Uma enfermeira entrou no quarto.
– Como vai, seu Lima?
– Melhorando, obrigado… Ô, minha filha, me explica uma coisa. O que foi que aconteceu com o Lula depois de 2017?
– O senhor diz depois do golpe de 16? Bom…, eu era muito criança… — respondeu a moça.
– Golpe?! Que golpe?! Foi impeachment!
– Impeachment? Como assim? — a enfermeira desconfiou
que a cabeça do velho não estava tão boa depois de tantos
anos de coma.
Lima ficou ainda mais preocupado.
Ligou a TV. Falavam do trânsito na Avenida Geddel Vieira.
Desligou — assustado.
Dias depois, recebeu alta.
Antes de procurar os antigos parentes, resolveu caminhar um pouco para se familiarizar com os novos tempos.
O hospital ficava sobre uma avenida moderna.
Os carros não tinham mais rodas.
Flutuavam silenciosamente alguns centímetros acima do chão.
Num cruzamento, o nome da via.
“Av. Dilma Roussef”.
Lima continuou sua caminhada, cada vez mais chocado.
“Praça Alberto Youssef”.
“Ladeira Paulo Roberto Costa”.
“Alameda Eduardo Cunha”.
Lima precisava sentar.
Recuperar o fôlego, urgente.
Entrou num parque muito arborizado.
De medo, não quis nem saber o nome do lugar.
Sabe-se lá por que, durante seus vinte anos de coma,
o Brasil havia dado uma guinada.
Incompreensível.
Mais calmo, Lima se deu conta de que estava ao lado
de uma estátua.
Imediatamente reconheceu o personagem, mas foi obrigado
a ler a placa, numa mistura de masoquismo e esperança
de estar enganado.
Não estava.
Na placa de bronze, lia-se: “Homenagem ao herói da Revolução Joesley Batista”.
Vertigem. Achou que ia desmaiar.
Correu de volta a seu quarto, no hospital.
Sem que ninguém autorizasse, se jogou na cama e entrou novamente em coma.
Nesse exato momento, Lima abriu os olhos pela primeira vez em 20 anos.
Tudo tinha sido uma alucinação, muito realista, mas, ainda assim, uma alucinação.
Uma sensação de paz tomou conta de seu corpo.
Nesse momento, a enfermeira entra no quarto e dá um grito, surpresa ao ver Lima desperto depois de tantos anos.
Lima agarra a moça pelo colarinho e pergunta — desesperado:
– Minha filha, como é o nome desse hospital?!?!
Ela, assustada, responde, com a voz trêmula:
– Hospital… Jair… Bolsonaro…
– Ufa!, dos males, o menor — respirou aliviado.
A enfermeira desconfiou que a cabeça do velho não estava tão boa depois de tantos anos de coma.

Lima continuou sua caminhada, cada vez mais chocado. Praça Alberto Youssef. Ladeira Paulo Roberto Costa. Alameda Eduardo Cunha