Franzino e de baixa estatura física, o jurista Hélio Bicudo, de 96 anos, se agigantava na luta incansável pelos direitos humanos e na vigilância de práticas de moralidade e ética na política. Como procurador de Justiça, na década de 70, enfrentou o Esquadrão da Morte e denunciou os crimes do regime militar sem temer as incontáveis ameaças de morte que recebeu. Em entrevista à ISTOÉ, meses antes de morrer, Bicudo lembrou como deu início ao combate aos integrantes da organização paramilitar, composta por policiais e militares, no auge da ditadura militar. “Quase que diariamente apareciam cadáveres na periferia de São Paulo com características de execução, tiros na cabeça, corpos metralhados. Passei a investigar os casos e conclui que essas pessoas mortas, sobretudo jovens, estavam sendo executadas por um grupo de policiais que faziam parte do regime militar”. Entre os comandantes desses bárbaros crimes estavam o delegado Sérgio Paranhos Fleury, apontado como torturador de presos políticos. Fleury acabou morrendo misteriosamente afogado em Ilhabela, no litoral de São Paulo, em 1979, antes de ser julgado.

Católico e amigo do arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, falecido em dezembro de 2016, Bicudo participou ativamente da Comissão de Justiça e Paz, fundada em 1972, dedicada a denunciar mortes, torturas e maus tratos a presos políticos. Ajudou também a fundar o Centro Santo Dias para socorrer vítimas da violência policial. Inconformado com a truculência cometida contra presos, atuou na Comissão Teotônio Vilela, criada em 1983, para exigir melhores condições nas delegacias e penitenciárias brasileiras. O seu trabalho foi reconhecido internacionalmente e ele acabou empossado, em 2000, como presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington, nos EUA.

“Valeu a pena defender o que era necessário ser defendido, sobretudo aqueles que se encontravam sem defesa” Hélio Bicudo, jurista, ao subscrever o pedido de impeachment de Dilma Rousseff em 2015

Dignidade como herança

Bicudo também deixou marcas profundas na política, onde transformou-se em um ardoroso ativista no combate à corrupção. Embora tenha sido um dos fundadores do PT em 1980, ao lado de Lula, foi o primeiro a abandonar o partido quando seus dirigentes se enlamearam na corrupção do mensalão em 2005. Dez anos depois, ao constatar que Dilma Rousseff desenvolvia um governo que levava o País ao caos, Bicudo não pensou duas vezes e subscreveu o seu pedido de impeachment. Ele morreu na última terça-feira 31, de problemas cardíacos. Como herança para os sete filhos, deixou a dignidade.