DESTRUIÇÃO Autoridades declararam que metade da área urbana de Beirute acabou arrasada: aproximadamente dez quilômetros quadrados (Crédito:STR / AFP)

O Líbano vem acumulando progressivamente a maior crise econômica de sua história, crise iniciada em 1990 e decorrente da guerra civil que arruinou o país ao longo de quinze anos — a mais recente desvalorização da moeda nacional (libra) foi de 40%. Em meio à essa demorada desestruturação social veio o recente ataque da pandemia do novo coronavírus, que bem ou mal o país estava conseguindo controlar apesar dos parcos recursos financeiros e técnicos de que dispõe. Some-se a isso a eterna tensão geopolítica que implica terrorismo e belicismo em toda a região do Oriente Médio. Quis o destino, no entanto, que a tragédia que engolfa o Líbano ainda não se estancasse. Há seis anos que a população de Beirute, capital libanesa, acordava e ia dormir convivendo, sem saber, com um depósito de explosivos capazes de se fazerem ouvir, se entrassem em ação, a duzentos quilômetros de distância – e com força de varrerem metade da área da cidade, ou seja, cerca de dez quilômetros quadrados. No final da tarde da terça-feira 4 (seis e meia no horário local), a explosão ocorreu. Mais pânico, mais destruição, mais tristeza, mais desespero numa cidade que há tempo não sabe o que é paz, numa cidade que preserva a tradição de hospitalidade com estrangeiros — entre eles a grande colônia brasileira que ela abriga —, numa cidade na qual a diversidade e o sincretismo religioso teceram a sua própria história. Vinte e quatro horas depois das quatro explosões que se sucederam, contavam-se mais de uma centena e meia de mortos e cerca de quatro mil e quinhentos feridos.

O carregamento de nitrato de amônio chegou ao porto de Beirute em um navio de fabricação russa com a bandeira da Moldávia, país do Leste Europeu (Crédito:Mohamed Azakir)

O depósito genocida, na ampla região portuária, armazenava em péssimas condições de segurança duas mil e oitocentas toneladas de nitrato de amônio, substância química utilizada na agricultura e também na confecção de potentíssimas bombas. Entre a segunda e quarta explosão, carros voaram, raras vidraças se mantiveram intactas, prédios foram ao chão como feitos de papel, pessoas que passavam a quilômetros de distância se viram arremessadas e flutuaram no ar antes de caírem ao chão gravemente feridas ou mortas. O principal hospital de Beirute, chamado St. George, foi seriamente danificado e teve sua parte superior quase completamente implodida. Navios que estavam atracados no porto acabaram destruídos. Uma fragata brasileira saiu incólume por ter partido horas antes para alto mar. A embaixada do Brasil, diante da proporção da tragédia, também praticamente nada sofreu: perdeu parte do teto, vidros e computadores.

O governo do Líbano ordenou a prisão dos responsáveis pelos armazéns com amônio, embora seja difícil crer que os governantes do país ignorassem a existência desse material e a precariedade com que estava estocado. Era inevitável a hipótese de atentado, dado o clima bélico que historicamente paira sobre a região — nunca se torna louca a especulação de atos de terror praticados por chefes de Estado ou grupos extremistas. O presidente do Líbano, Michel Aoun, descartou essa tese, endossado as declarações do primeiro-ministro Hassan Diab. O que mais alimentava a hipótese de terror é que estava marcado para essa sexta-feira 7 a publicação do veredito envolvendo os assassinos do ex-premiê Rafik Hariri, crime ocorrido em 2005 — os quatro réus são integrantes do grupo terrorista Hezbollah. Juntamente com Hariri foram mortas vinte e uma pessoas. Na quarta-feira 5, tudo ainda era dúvida. Somente o presidente americano, claro, tinha certeza de tudo o que aconteceu: “Foi um ataque terrível”, sentenciou Donald Trump, na Casa Branca, distante nove mil e quatrocentos quilômetros do palco da tragédia.

PRINCIPAIS ATENTADOS EM BEIRUTE

1982 O presidente eleito do Líbano, Bashir Gemayel, foi assassinado juntamente com
vinte e seis pessoas

1983 Ataque terrorista à embaixada dos EUA deixa sessenta e três mortos. Em outra ação, torroristas assassinaram trezentos e sete libaneses

1989 O presidente René Moawad morreu em uma explosão criminosa com mais vinte e três pessoas

2005 Rafik Hariri ocupou o cargo de primeiro-ministro do país entre o início da década de 1990 e 2004. Foi assassinado em uma louca ação terrorista da qual participaram integrantes do Hezbollah. Morreu na marina de Beirute. O atentado tem consequências políticas até os dias atuais. Há quem coloque na conta do Hezbollah a explosão da terça-feira 4. Motivo: nessa sexta-feira 7, quatro de seus membros devem ser condenados pela morte de Hariri