A crença da vida eterna, ideia comum em diversas sociedades ao longo da humanidade, foi difundida pelos egípcios há séculos. Os faraós eram deuses na Terra e queriam que seu legado jamais fosse esquecido. Para que fossem bem recebidos na eternidade, sacerdotes desenvolveram processos de mumificação. No início, os corpos da realeza eram envolvidos com faixas de linho e banhados por óleos, ervas e resina, entre outros materiais orgânicos. Apenas o coração era mantido — acreditava-se que ele era a “morada da inteligência”. Dessa forma, os reis estariam preparados para reinar em outra vida.

Há meses as autoridades locais atiçavam a população com boatos a respeito de um projeto grandioso. Nessa semana o mistério acabou: com a presença da Orquestra do Egito e um rigoroso esquema de segurança, um cortejo com 22 múmias de faraós desfilou às margens do Rio Nilo diante de emissoras de TV e milhares de pessoas aglomeradas pelas ruas de Cairo. O motivo é a mudança de casa: as múmias saíram do centenário Museu Egípcio rumo ao novo Museu Nacional da Civilização Egípcia, uma construção nababesca estimada em US$ 795 milhões.

Para fazer jus ao legado dos faraós, um percurso de cinco quilômetros foi fechado para a carreata. Caminhões com amortecedores e câmaras de nitrogênio mantiveram os sarcófagos em segurança. Ao todo, 18 reis e 4 rainhas puderam ser festejados novamente diante de seu povo. O personagem mais famoso era Ramsés III, conhecido por criar o primeiro tratado de paz da história. O evento faz parte da estratégia de marketing do governo para atrair mais turistas ao País.

 

RESPEITO Ramsés III: Faraós foram transportados com honras militares (Crédito:KHALED DESOUKI)

“O passado não pode ser esquecido ou desvalorizado”, afirmou o presidente Abdel Fattah al-Sisi. O antigo museu abrigava as múmias desde 1871, época em que foram descobertas no Vale dos Reis, um dos maiores sítios arqueológicos do mundo. Lá, desde os primórdios, os faraós defendiam que, “enquanto fossem vivos, cuidariam bem de seu povo”. Isso também aconteceu após a morte: estima-se que o governo egípcio fature mais de US$ 10 bilhões por ano com as múmias.

Vida após a morte

As tumbas faraônicas, além de luxo e mistério, são famosas por conta das maldições. O desfile teve algumas polêmicas por conta disso. Nas redes sociais, supersticiosos associaram o navio encalhado no Canal de Suez e outros desastres naturais recentes no País ao fato de o governo “mexer com as múmias”. Para o egiptólogo brasileiro Moacir Elias Santos, o deslocamento das peças “foi um desfile digno dos reis”. Ele explica que a parada foi um evento comercial, portanto a mística não foi levada em consideração. “Há boatos de que quando Tutancâmon for transportado para o novo museu também tenha um evento semelhante”, afirma. O sucesso do desfile comprova que, se depender do governo egípcio, os faraós terão mesmo vida eterna.

SARCÓFAGO Vida após a morte: peças rendem US$ 10 bilhões por ano ao Egito (Crédito:MAHMOUD KHALED)