O presidente já sabe que está cada dia mais distante o seu sonho de voltar a ocupar a cadeira do Planalto por mais quatro anos, em um eventual, desejado por ele e gradativamente inalcançável segundo mandato. Percebe a popularidade despencando, a falta de lastro em realizações dignas de nota, de sustentação partidária, de instrumentos suficientes que lhe garantam prestígio junto ao público. Nota o desprezo a sua incompetência latente, a ausência de apoio político, de credibilidade e mesmo de argumentos convincentes para resgatar rebanhos de potenciais apoiadores desgarrados e desatentos. Bolsonaro fez de tudo errado e chegou a conta. Implodiu pontes com os mais diversos setores. Desarranjou a máquina pública. Ignorou relações internacionais estratégicas e desdenhou da agenda global por resultados ambientais, sanitários e em prol dos direitos humanos. Virou o pária. O pior presidente do mundo no combate à pandemia, segundo pesquisas de organismos internacionais. É hoje o exemplo de líder a ser odiado, descartado. Não cabe mesmo nos moldes atuais a ideia de um caudilho, no típico personagem que encarna: radical, intolerante, totalitário, perseguidor, irresponsável, insensível. Difícil para o Brasil encontrar concorrentes à altura para disputar a condição de mais despreparado mandatário da história. Na cadeira de comando, o “mito” Messias mostrou uma gestão (para dizer o mínimo) desastrosa. Buscou a arruaça. Sempre. Embaçou o próprio horizonte ao insistir na corrosão do Estado e parece não entender a dimensão avassaladora dos atos. Protagoniza um embuste, dado a alianças pedestres da política. Não controla a língua e tagarela sandices que, há muito tempo, deveriam tê-lo levado ao impedimento. Mesmo aliados estão se irritando com tamanho descontrole e inabilidade no trato. É pelo conjunto da obra que Bolsonaro derreteu e, talvez, por começar a perceber as consequências dessa escalada, partiu à apelação pura e simples, colocando em prática um plano diabólico de desestabilização institucional. Como aquele garoto mimado, dono da bola, que quer parar o jogo porque não está gostando do resultado, passou a testar os limites da governabilidade, ou da ausência dela, de uma maneira jamais tolerada até então. Foi para cima dos demais poderes. Em ataques abertos, peitou o Supremo, os ministros, a Carta Magna e, por fim, o Brasil inteiro. Tirou da cachola, sem o menor senso, que não vai ter eleição se não for da maneira dele. E que maneira seria essa? Na base de brechas eventuais para que possa manipular os votos e até alegar fraude no resultado, caso necessário. Metodicamente, ele tenta sabotar as urnas e a democracia, minando a credibilidade do sistema. Deseja incinerar as liberdades individuais. No showzinho particular, armou um cenário fake, manipulou provas fajutas e resgatou vídeos mequetrefes da esgotosfera digital para fazer valer seus argumentos. Seria cômico, não fosse trágico. Em uma live, ao lado de um astrólogo de tenda de feira — que estava ali ninguém sabe até hoje o porquê —, e na qual prometia apresentar evidências concretas de resultados pretéritos manipulados, foi ridicularizado pelas próprias bobagens. Deprimente a opereta. Capaz de gerar vergonha alheia. Deve ter sentido a besteira que fez, tendo em vista a péssima repercussão. Dali a dobrar a aposta nos erros foi um pulo.

De uma vez por todas, os brasileiros precisam acordar para os fatos: Bolsonaro não quer saber de Constituição, de valores republicanos, de democracia. Não se interessa por nada que soe com a ideia de vontade da maioria. Importa somente o poder em suas mãos e alimenta os anseios mais recônditos de um regime de exceção com o qual domine tudo e todos. A estratégia nesse sentido está desenhada, trazendo na essência o golpe de Estado como ferramenta. Recurso extremo, mas o único com o qual acredita poder seguir à frente do Planalto, caso as demais maquinações falhem. E como se daria o ardil desse golpe? O roteiro está escrito, aprovado e guardado a sete chaves. Em um belo dia, sob a alegação de uma “ameaça comunista”, personificada na figura do arquirrival e opositor de campanha Lula — que, mesmo sem dar uma única palavra, já lidera todas as pesquisas de preferência popular —, o capitão do serrado angariaria um punhado de generais da reserva, mais a tropa de ministros militares que lhe prestam vassalagem e arquitetaria uma tomada de poder à força, com a obediência resignada de recrutas bem tratados à base de promessas de melhoria do soldo. Decretaria nulo o processo eleitoral. Na ponta do povo, para revestir o movimento com algum caráter popular, entregaria um Bolsa Família turbinado, na casa de insustentáveis R$ 400 — mesmo quebrando o caixa federal — para mostrar a “generosidade” de sua liderança, na velha e surrada fórmula do pão e circo à massa incauta. Conquistado setores nesses dois polos, e ungido pelo apoio de alguns parlamentares fisiológicos, sedimentaria o ambiente para o grande ardil: o controle absoluto do Estado, numa bofetada aos direitos do cidadão e ao regimento constitucional. Tudo isso acontecendo em pleno século 21. Os atores estão sendo manietados desde já para o espetáculo bizarro. Há nesse momento uma indiscutível escalada autoritária que necessita ser contida o quanto antes. Não restam dúvidas: Bolsonaro foi longe demais e os representantes da Lei e da Ordem precisam dar a resposta.