Cristina Alencar, moradora de Macapá, capital do Amapá, define em uma palavra a situação da população em meio ao apagão elétrico que já dura mais de dez dias: “pesadelo”. “O rodízio de abastecimento prometido pelas autoridades não funciona e há cortes a todo o momento”, afirma. Segundo a professora, a cidade passa por um momento de convulsão social, com grupos protestando pela falta de energia e contra a inflação. “Há filas intermináveis para comprar qualquer coisa.”

“Quem deve dar resposta ao desastre em termo de punição dos culpados é a Aneel e o governo federal” Waldez Góes, governador do Amapá (Crédito:Mateus Bonomi)

A falta de energia já provoca desabastecimento de água. “Chegamos a pagar R$ 50 por um garrafão de 20 litros”, desabafa. Sem geladeira, alimentar a família também tornou-se um problema. “Somos obrigados a comprar comida apenas para a refeição do dia.” Na casa de Larissa Lima Gomes a situação não é diferente. “Tivemos que jogar toda a comida da geladeira no lixo”, diz. Em meio à crise, chegou em sua casa uma conta de luz no valor de R$ 804,19, que venceu no dia 6. “Passamos dificuldades financeiras, mas mesmo assim temos que pagar até o dia 20, se não vão cortar a luz de forma definitiva.” O apagão começou na noite de terça, 3, após o incêndio na subestação local. O evento afetou 90% do Amapá, cerca de 860 mil moradores em 13 das 16 cidades do Estado. O problema foi inicialmente atribuído a um raio que teria atingido os dois transformadores de energia responsáveis pela distribuição. Logo ficou claro que não havia um plano de contingenciamento.

Para Paulo Sergio Franco Barbosa, professor do Núcleo de Planejamento Energético da Unicamp, houve falha na gestão de risco. “O Brasil é campeão em eventos climáticos do tipo”, afirma. Segundo o especialista, não está claro se havia um sistema de proteção para os transformadores. “Deveria haver uma parede corta-fogo.” Na quarta-feira, 11, o laudo preliminar da polícia civil de Macapá informou que o fogo começou em uma bucha do equipamento. Edival Delbone, coordenador do Instituto Mauá de Tecnologia, explica que a peça faz a conexão entre o lado interno e externo do equipamento. “Um superaquecimento causou o incêndio”, afirma. O fogo foi tão violento que levou ao desligamento automático da linha de transmissão de Laranjal e das usinas hidrelétricas de Coaracy Nunes e Ferreira Gomes. Delbone ressalta que o plano de emergência deveria contar com transformadores adicionais. Há um aparelho reserva, mas ele está em manutenção desde dezembro de 2019. Isso confirma que não houve fiscalização correta por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), nem dos governos estadual e federal.

A companhia que detém a concessão sobre a subestação é a Linhas de Macapá Transmissora de Energia, pertencente à empresa espanhola Isolux Corsán. Devido a dificuldades financeiras, a empresa entrou em recuperação judicial em seu país em 2019 e foi incorporada pela Gemini Energy, que é gerida por um fundo de investimentos. A Gemini detém 85,04% na participação na linha de transmissão, e 14,96% são de responsabilidade da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), autarquia do governo federal vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Regional. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi escalado pelo presidente Jair Bolsonaro para resolver o problema. “Acho que faltou manutenção da empresa particular que fornece energia”, eximiu-se o presidente. Em seu site, a Aneel afirma que está tomando as previdências para restabelecer o suprimento de energia do Estado e apurar o caso.

O presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, atendeu ao pedido do Tribunal Eleitoral do Amapá, e adiou as eleições municipais no estado. Na entrevista que concedeu a esta edição de ISTOÉ (pág. 4), realizada na manhã da quarta-feira 11, a decisão ainda não havia sido tomada. O agravamento da situação à noite, porém, levou ao adiamento. O ministro recebeu dados da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) de que organizações criminosas organizariam tumultos. A preocupação é maior porque há um número reduzido de policiais nas ruas – muitos estão afastados com coronavírus. Há suspeitas de que o próprio incêndio tenha sido provocado pelas organizações criminosas para tumultuar a eleição, mas isso ainda está sendo investigado.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Democratas), que é do Amapá, solicitou investigação à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal sobre as causas do incêndio. O senador tem interesse adicional na eleição, uma vez que Josiel Alcolumbre, seu irmão, disputa o pleito. O ministro Barroso aguarda o restabelecimento da energia — e da normalidade – para definir a nova data.