A discrição com que foi anunciada a morte do empresário Mário Amato e a sua modesta repecussão não fazem jus ao que este paulistano representou para um período fundamental da vida brasileira. Amato morreu na quinta-feira 26, aos 97 anos, mas a família decidiu transmitir a notícia uma semana depois. Os humildes obituários publicados nas horas seguintes parecem ter acompanhado o comedimento dos parentes. Em se tratando de Amato, isso não faz o menor sentido. Basta dar uma espiada no que ele fez. Foi muito – e sempre com algum estardalhaço. Em sua longa existência, construiu um império empresarial, transformou a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, na entidade de classe mais ativa – e, em diversos aspectos, mais odiada – do País, peitou presidentes, brigou com sindicalistas, contrariou os seus iguais, como os empresários da indústria paulista, e disparou frases tão insólitas quanto inapropriadas para uma figura pública como ele. Mas Amato não foi apenas um falastrão. Ao seu modo, ele ajudou a consolidar a incipiente democracia brasileira.

Seu mandato como presidente da Fiesp, entre 1986 e 1992, coincidiu com um dos períodos mais ricos da história recente do País. A ditadura tinha chegado ao fim, uma Constituinte nascia e os brasileiros se preparavam para a primeira eleição direta depois de 1964. Na economia, Amato enfrentou três planos econômicos, o Cruzado (1986), o Bresser (1987) e o Collor (1990), mas nenhum deles foi suficiente para domar a inflação. Foi em 1987 que se tornou uma figura nacional. Ele liderou a revolta dos empresários contra o congelamento de preços no governo Sarney.  Mais: anunciou que poderia aderir à greve geral articulada pela Central Única dos Trabalhadores. Àquela altura, graças a Amato, o Brasil assistia a uma inesperada união entre capital e trabalho, algo que se revelaria produtivo para o País. Pressionado pelo presidente da Fiesp, Sarney decretou o descongelamento de preços. Amato ainda defenderia causas que até então não faziam parte da agenda dos grandes empresários, como a concessão de abono salarial e a criação de linhas de crédito para a baixa renda.

No dia 11 de outubro de 1989, às vésperas da eleição presidencial, proferiu a frase que o marcaria para sempre. Na pirâmide da Fiesp em São Paulo, disse para uma plateia de empresários e jornalistas: “Se Lula for eleito, uns 800 mil empresários vão deixar o Brasil.” A declaração acentuou a polarização no País e tornou o cenário ainda mais conflagrado. Para a esquerda, Amato fez jogo sujo. A direita comemorou a coragem de um de seus representantes para verbalizar o que muitos empresários sentiam. Mas o presidente da Fiesp não gostava de Collor. Na campanha, o candidato procurou Amato para expor o programa de governo. Olhando para o relógio, o empresário abreviou o encontro e perguntou quanto dinheiro Collor queria. Amato se tornou o primeiro líder empresarial a se declarar incomodado com as denúncias de corrupção no novo governo. Quando a CPI sobre PC Farias, tesoureiro da campanha de Collor, divulgou seu relatório final, o chefe da Fiesp pediu “absoluta necessidade de exemplar punição.” Pouco depois, Collor seria afastado. Amato, mais uma vez, havia demonstrado o forte apreço que nutria pela democracia.


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