A história da Rússia é marcada pelo jugo de líderes que se mantiveram no poder durante anos. De Pedro, o Grande (1672-1725), responsável por unificar o Império Russo, a Josef Stalin (1878-1953), que governou a União Soviética de 1922 até sua morte, trinta anos depois. O mais recente nessa linhagem de “pais da pátria” é Vladimir Putin. Pela quarta vez ele foi eleito presidente do país e governará até 2024, quando completará 25 anos no poder. Ele assumiu o primeiro mandato em 2000, foi reeleito, tornou-se primeiro-ministro e depois retornou à presidência. Após a última reeleição, na semana passada, disse que não pretende continuar no cargo “até os 100 anos”. Não é o que parece.

A votação serviu mais para reafirmar o desejo de permanência no poder de Putin do que para dar ao povo russo uma alternativa. Nenhum dos sete oponentes representava perigo real ao presidente. Aleksei Navalny, um dos maiores críticos do Kremlin e responsável por campanhas contra a corrupção, foi impedido de disputar e propôs um boicote. Com 13% dos votos, o milionário dono de fazendas Pavel Grudinin foi o segundo colocado. A única mulher na corrida, Ksenia Sobchak, teve 2% dos votos. Putin recebeu 76,6% dos votos, com uma participação de 67,4% dos eleitores. A alta adesão ao pleito mostra sua aceitação entre a população.

A força do presidente se deve principalmente às melhoras na economia e à maneira como ele tem lidado com questões internacionais. Quando Putin assumiu pela primeira vez, o país se encontrava mergulhado em problemas. Sob o governo de Boris Yeltsin, a Rússia havia passado por grandes mudanças. As riquezas acabaram concentradas nas mãos de um pequeno grupo de oligarcas e a corrupção era endêmica. Putin conseguiu reerguer o país economicamente, ajudado pelo aumento no preço do petróleo. “Aproveitou-se disso para recuperar e fortalecer o Estado russo, retomando algo da participação assertiva no cenário exterior que era característica do país há séculos”, diz Angelo Segrillo, historiador da USP e autor do livro “De Gorbachev a Putin”.

A reeleição do presidente também acontece em um momento em que as atenções do mundo estavam voltadas para o caso do ex-espião russo que foi envenenado na Inglaterra. Rússia e Reino Unido protagonizaram a maior crise diplomática entre as duas nações desde a Guerra Fria, que culminou com a expulsão de 23 diplomatas russos da Inglaterra. França, Alemanha e Estados Unidos condenaram o ataque, visto como uma tentativa do governo russo de impedir o vazamento de informações. A polêmica internacional acabou reforçando a imagem positiva com que os russos veem a atuação de Putin na política externa.

A permanência de líderes fortes tem a ver com a própria noção de que a Rússia viveu os principais momentos de sua história quando esteve unida sob um único comando. “O ponto mais importante não é a questão do personalismo, muito menos achar que o povo russo gosta de viver sob ditadores, e sim a questão do “Estado”: a experiência histórica russa deixou na psique social de muitos russos que é com um Estado centralizado e forte que a Rússia fica melhor”, afirma Angelo Segrillo. O historiador diz que existe uma oposição entre o Estado Kievano, florescente, mas descentralizado e desunido que acabou conquistado pelos mongóis, e o Estado Moscovita, centralizado e forte, que expulsou os invasores mongóis e ainda deu origem a um grande império. Essa visão foi reforçada após os governos de Putin e Boris Yeltsin (1931-2007).

A sina do czarismo

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O Império Russo foi proclamado por Pedro, o Grande, em 1721, após o fim da Grande Guerra do Norte, e só acabou com a Revolução de 1917. Após um período de lideranças mais curtas, Josef Stalin assumiu o comando e permaneceu no poder de 1922 até sua morte, em 1953. “Todos eles se colocaram como gosudarstvenniki, ou seja, como defensores de um Estado russo forte. Isso é a chave para o entendimento da relação dos russos com os líderes pós-soviéticos, como Putin e Yeltsin”, afirma Segrillo.

Ainda é cedo para dizer que Putin continuará no poder após seu quarto mandato como presidente. Até hoje ele não fez nenhuma alteração na Constituição, que impede um político de disputar a eleição majoritária três vezes seguidas. Em 2008, ele driblou as regras ao assumir o cargo de primeiro-ministro, enquanto Dmitry Medvedev ocupou a presidência. “Essa fórmula poderá ser repetida”, diz Segrillo. Além disso, Putin não preparou nenhum sucessor até agora.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias