O ministro da Educação entra na sala do presidente, que está digitando no computador, concentrado.

– O senhor mandou me chamar, presidente?

– Mandei…senta aí…deixa eu terminar essa frase aqui…

O ministro tenta ver o que o mandatário está escrevendo. Ao perceber, o presidente vira a tela para impedir que ele consiga ler.

Concluída a frase, volta-se para o ministro.

– Então… me diga uma coisa, quero te perguntar um negócio só por curiosidade, tá ok?

– Claro presidente. Fique à vontade.

– Você entende de currículo?

– Como assim, presidente?

– Currículo, CV, como o pessoal chama… o que tem que colocar quantas páginas, essas coisas. Você entende disso?

– Bem… não sei se eu “entendo”, mas na Faculdade ajudei muitos alunos a fazerem os seus e também fiz o meu e…

– Tá. Então me conta. O que tem que ter num currículo?

– O senhor está fazendo seu currículo, presidente?

Flagrado, o presidente disfarça, dando uma risada forçada.

– Imagina, hahaha. Claro que não. Eu sou o presidente, porra. Não preciso de currículo. É que depois do probleminha que tivemos lá com seu antecessor, achei melhor me informar para entender do assunto.

O ministro, mesmo desconfiado, responde:

– Bem… o ideal é que seja curto. Tipo uma, duas páginas no máximo.

– Duas páginas? Mas eu… digo, e se a pessoa tem muitos anos de experiência, como é que faz?

– Tem que resumir. Colocar só os pontos principais.

– Sei… tem que colocar todos os lugares que já trabalhou?

– Sim. É importante. Por exemplo, no seu caso teria que dizer que foi militar, deputado, presidente. É importante.

– Não é para mim. — o presidente insiste.

– Eu sei… estou só dando um exemplo.

– E se a pessoa, digamos, tenha sido presa e expulsa de um… emprego? Tem que mencionar também?

– Hmmm… não sei se entendi, mas não precisa mencionar porque saiu, não.

O presidente procura as palavras.

– E se a pessoa tem filhos, tem que mencionar?

– Tem gente que menciona sim, tipo… quantos filhos,

e se é casado, etc. Mas não acho importante.

– Mas não tem que dizer o que os filhos fazem, né?

– Não.

O presidente dá um suspiro de alívio.

– O que mais tem que ter?

– É importante dizer às coisas que realizou em cada função. Por exemplo, o currículo de um deputado tem que dizer os projetos que aprovou e tal.

O presidente olha desconfiado para o ministro.

– Tá de sacanagem comigo, né?

– Não presidente! Estou só respondendo sua pergunta. — mentiu o ministro.

– Que mais tem que por?

O ministro pensa por alguns segundos e resolve arriscar.

– Presidente, se o senhor está escrevendo o seu currículo, eu posso ajudar. É melhor, o senhor não acha? O presidente desarma.

– Tá bom… você tem razão. É que com essa confusão que os meninos aprontaram, com essa gente falando em impeachment, sei lá, eu decidi me precaver. Vai que, né?

O ministro tenta ser compreensivo.

– Claro presidente. É sempre bom se precaver. Vamos fazer assim, o senhor monta o seu currículo e me manda por WhatsApp. Aí dou uma revisada, ok?

– WhatsApp não! Deus me livre. Vai que vaza. Pode deixar que eu imprimo, te mostro e depois queimo.

– Como o senhor preferir, presidente… espero ter ajudado. Mas já que estamos sendo sinceros, o senhor acha que eu deveria dar uma atualizada no meu currículo também?

O presidente, que já está de volta ao computador, responde sem olhar para o ministro:

– É bom, né? Vai que. Tá ok?

Temos de estar preparados, caso esse negócio de impeachment passe, vamos ter de procurar outro trabalho