Em 16 de outubro de 1888, no distrito de Whitechapel, quatro mulheres já tinham sido mortas da mesma forma quando o inspetor George Lusk, encarregado da região leste de Londres repleta de cortiços e prostíbulos, recebeu uma caixa contendo uma carta e um frasco com um pedaço de rim preservado em formol. A mensagem, enviada “do inferno”, dizia: “Envio-lhe a metade do rim que eu tirei de uma mulher e que conservei para o senhor. O outro pedaço eu fritei e comi e estava muito bom. Talvez eu envie a faca ensanguentada que o tirou se esperar um pouco mais”. Lusk não deu importância à carta, considerou-a um trote, até porque sua chefatura recebia centenas delas desde que a lenda de Jack o Estripador se espalhara, com a colaboração da cobertura sensacionalista e entusiasta da imprensa.

O livro “Jack, o Estripador”, do historiador Donald Rumbelow, lançado pela editora Record, reúne a “investigação definitiva” sobre o assunto. Segundo Rumbelow, Jack foi uma criação da imprensa e da indústria do entretenimento. Ele arrola a documentação sobre o caso, depositada nos Arquivos Nacionais: três pacotes de papéis soltos, “envoltos por capas marrons fixadas com fita adesiva”. Parte do material foi surrupiado por pesquisadores e não se conservaram órgãos, amostras de sangue nem digitais, pois o exame de digitais só seria introduzido em 1905. O resto é especulação.

“Jack já é parte herói folclórico, parte mito”
Donald Rumbelow, historiador

Sede de sangue

Rumbelow conta que foram os jornais que apelidaram o assassino compulsivo de Jack, o Estripador, em referência a Jack Pés de Mola. Apelidado o “Terror de Londres” entre 1837 e 1838. Disfarçado de morcego, rasgava as roupas das mulheres e fugia aos pulos. Virou personagem de romances populares e farsas de circo. O novo e lúgubre Jack ganhava fama mundial por meio de boletins via telégrafo enquanto perpetrava o que hoje chamaríamos de feminicídios seriais Mais uma vez, mas de forma intensa e com nuances macabras, o crime se convertia em espetáculo. O público reagia esgotando as edições dos jornais baratos. E mostrava ter enorme apetite por sangue que cabia à imprensa saciar.

Mas nem tudo era sensacionalismo. Duas evidências fizeram os policiais levarem o criminoso a sério. Uma das vítimas do famoso “duplo incidente” de 30 de setembro, Catherine Eddowes, tivera o rim direito extirpado, conforme a carta. Além disso, diferentemente de outras cartas, a “do inferno” não era assinada por Jack. Ela é considerada o único documento produzido pela mão do assassino.

Para coroar o terror, em 10 de novembro, era degolada e eviscerada a quinta e última vítima, Mary Jane Kelly. A partir de então, ao longo de 20 anos, outros homicídios foram atribuídos a Jack. Em torno dele, produziram-se ensaios, romances, peças, filmes e séries. Jack se tornou um dos personagens mais populares da Londres do horror à luz de gás.

Os itens culturais ampliaram o mito, mas serviram para lançar névoa sobre o assunto. “Meu objetivo é retornar ao básico e encorajar outros a fazer o mesmo e decifrar o caso”, diz o autor. “Mas ninguém pode impedir que a lenda triunfe sobre os fatos.” Passaram-se 120 anos e o crime não foi desvendado. A fama de Jack continua a se alimentar da irresolução. Até prova em contrário, ele cometeu o crime perfeito.