A república da gambiarra tem curto-circuito.

Curto: morre-se cedo.

Circuito: morre-se em tragédia, uma atrás da outra, tragédia empurrando tragédia para que a fila ande na república da gambiarra.

Há morto afogado na lama (a asfixia se dá em dois minutos), há corpo azulado-estufado boiando de costas na água (dois a três minutos consuma-se o afogamento), há corpo cinzento de cinzas (em três horas verifica-se a total incineração, já então não há mais corpo).

Na república da gambiarra há palíndromos. Por exemplo:

“A lama nada na mala”.

Leia a frase acima normalmente; depois a leia, ao contrário, da direita para a esquerda, letra a letra, formando sílabas e palavras.

Fez?

Pois é, nas duas direções a frase é a mesma, tem igual sentido: “a lama nada na mala”. Importante: é porque existe tanta lama na mala que muita gente sofre de aibofobia, que significa medo de palíndromos, embora a própria expressão aibofobia seja um deles. Coisas da república da gambiarra… sei lá…

Na república da gambiarra as pessoas morrem em tragédias que podem ser evitadas — tais tragédias são malandramente chamadas de acidente, e asssim faz-se a gambiarra da gambiarra…

Como a república da gambiarra é muito emotiva e passional (tal qual choro em bandolim, tal qual solo em guitarra portuguesa), ela sofre muito nos primeiros momentos após corpo apodrecer enlameado, após corpo azular afogado, após corpo acinzentar queimado. Mas, como sol e lua se sucedem na república da gambiarra, após alguns sons do bandolim, do violão, da flauta, do cavaquinho e do pandeiro, tudo esvoaça. E a fila anda, até que outro palíndromo, do tipo “a base do teto desaba”, se faça impor.

Leia também esse palíndromo, “a base do teto desaba”, da esquerda para a direita, normalmente; e agora leia no sentido inverso, letra a letra. Tudo igual, não é?!

Sim, é igual porque na república da gambiarra todos já olham com naturalidade (e já concebem como coisas da vida em curto-circuito) corpos azulecerem, corpos enlamearem, corpos arderem.

Na república da gambiarra muito se fala sobre sofrimento. E, assim, resta um quase nada de tempo para se exercer o “rir, o breve verbo rir” — eis outro palíndromo.

E, também, na república da gambiarra tudo “soa como caos” — mais um.

Não falei nada sobre barragens rompidas, enchentes, alojamentos inflamáveis para adolescentes.

Falei não.

Falei?

Leia a frase: “soa como caos”. Agora leia de trás para frente, letra por letra, formando sílabas e palavras. É a mesma frase, o mesmo sentido. Eis a marca da república da gambiarra