A oposição política a Jair Bolsonaro está dormindo no ponto. Ou, como dizem meus filhos, brisando. Deixa que o presidente reivindique para si a paternidade do coronavoucher de 600 reais, sem contraditá-lo com a ênfase necessária.
Não basta tocar no assunto de passagem, como fez o presidente da Câmara Rodrigo Maia em sua live com a IstoÉ, na semana passada.
É preciso método, ou a negligência vai cobrar seu preço lá na frente.
Nesta quarta-feira, Bolsonaro falou mais uma vez em frente ao Palácio do Alvorada: “Se não fossem os 600 reais, o Brasil tinha entrado em crise. Os 38 milhões de informais não tinham o que comer mais. O povo vai se conscientizando do que está acontecendo no Brasil.”
Os seiscentos reais não são fruto da preocupação de Bolsonaro com os pobres e com os informais. Não são. Não.
Seu governo demorou bastante para entender que gastar dinheiro público numa pandemia não é a mesma coisa que transformar a irresponsabilidade fiscal em política permanente, como fez Dilma Rousseff. Só com muito ranger de dentes, Bolsonaro e Paulo Guedes concordaram em liberar 200 reais para a ralé.
Coube ao Congresso dizer que o valor era insuficiente e articular um plano com ajuda emergencial de 500 reais. Foi quando a ficha caiu no Planalto. Depois de alguma negociação, chegou-se ao montante que vem sendo efetivamente pago.
Tem mais. Se está tão preocupado com as consequências da paralisação econômica sobre a população, por que o presidente não abriu o bico até agora para falar do represamento do crédito para empreendedores?
Alguém o viu despejar palavrões sobre a equipe econômica, naquela reunião de 22 de abril, cobrando urgência urgentíssima na solução desse problema, que já era, então, evidente? Alguém o viu tocar no assunto depois dessa data, mostrando que cobra ação de seus auxiliares, que não está alheio ao drama?
Os adversários não devem negar uma qualidade ao presidente: como todo militar, ele é disciplinado. Quando o filho Carlos ou seja lá quem for que o aconselha nesse campo traça uma estratégia de comunicação que o presidente aprova, ele não se desvia dela, nem para melhorá-la. Ele repete as mensagens sem cessar, o que é importante no discurso político.
A expectativa de Bolsonaro é apresentar-se, dentro de alguns meses, como o único que se ocupou do drama econômico acarretado pela pandemia. Mas, para a estratégia dar certo, ele terá de mostrar que agiu, e não só previu o óbvio.
Se ninguém disser nada, Bolsonaro vai continuar se apropriando de méritos que não lhe pertencem.
Então vamos lá: o coronavoucher não é de Bolsonaro.